quarta-feira, dezembro 26, 2007
Um vídeo e de um dos meus livros do ano um fragmento, as palavras são de Pedro Costa:
"PC O Ventura e o Desnos estavam destinados a encontrar-se. Aconteceu neste filme. É a História. Uma linha de Desnos, "gostava de te oferecer 100 000 cigarros", uma linha do Ventura, "a casinha de lava que tu tanto querias". Ambos são homens condenados, destruídos, fantasmas de outros homens que, apesar da tortura, da loucura e da exploração, resistem. Era preciso que essa carta de amor se tornasse, ao mesmo tempo, um testamento moral e político, uma declaração de guerra. Essa carta apaziguadora do sofrimento também anuncia os piores horrores. Foi este abismo que eu quis trazer para Serralves. É, se quiseres, a história secreta daquele corredor negro. O Ventura chega a Portugal em 1972, arranja um trabalho bem pago nas obras, julga que se vai safar, que vai poupar dinheiro suficiente para mandar vir a mulher de Cabo Verde. Depois vem a Revolução e ele conta-me a história secreta dos imigrantes africanos na Lisboa do pós-25 de Abril. Eles tiveram muito medo de serem expulsos ou de acabarem presos. Barricaram-se. Para o Ventura é o momento da condenação: caos, delírio, doença. É, simultaneamente, guarda e prisioneiro na sua barraca de madeira nas Fontaínhas. Sobrevive repetindo e memorizando, ad eternum, a sua carta de amor. Percebi que o 25 de Abril, que para mim tinha sido um momento de entusiasmo e exaltação lírica, tinha sido para o Ventura um pesadelo. Eu era um miúdo, estava na rua e, provavelmente, já pensava em cinema. Há uns tempos, fui procurar umas fotografias das manifestações do 1º de Maio com aqueles milhares de pessoas em festa, e é incrível, não se vê um único rosto negro. Onde estavam eles? O Ventura contou-me que estavam todos juntos, aterrados de medo, escondidos no Jardim da Estrela a temer pelo futuro. Nesse corredor escuro está isto tudo e ainda o fracasso da nossa Revolução. É por filmar estas coisas da maneira como o faço que não acredito na democracia. Ninguém nas Fontaínhas acredita na democracia. Pessoas como o Ventura construíram os museus, os cinemas, os teatros, os condomínios da burguesia. Os bancos e as escolas. E o que eles ajudaram a construir foi o que os derrotou. Tens a prova mais cruel deste fracasso nas outras salas: a agonia do Paulo, da Vanda, da Zita, a permanente derrocada daqueles quartos."
FORA! Pedro Costa Rui Chafes OUT!!
MuseuSerralves
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, dezembro 26, 2007