quarta-feira, dezembro 05, 2007
"Pinta sempre o ferro de negro, apagando assim os vestígios concretos do material e do método de construção. Trata-se de neutralizar a matéria? Criar uma ilusão?
Uma parte do meu trabalho que me interessa muito é a fábula. Esculturas que são efabulações do espaço. Não são minimalistas, não são pós-minimalistas e não são cubistas. São apenas efabulações do espaço. Quando eu apresento um balão que parece flutuar langorosamente num espaço arrastando atrás de si as suas cordas moles, na verdade é uma bola de duzentos quilos apoiada nessas tais cordas. Essa espécie de mistério, essa efabulação do espaço funciona como uma aparição, mas é precisamente um processo não só técnico como emocional de apresentar uma possibilidade aos espectadores, a possibilidade de haver um balão, o balão da morte, a vaguear entre nós como se entrasse numa sala trazido pela aragem.
O objecto, a forma, interessa-lhe enquanto veículo de uma ideia. Entre as esferas, cones ou cilindros há as formas que nos remetem para casulos, para máscaras, sapatos e casacos que denunciam uma ausência. Parecem ter servido de abrigo a um corpo que se evadiu. Dir-se-ia que há uma representação dessa ausência, do vazio. Será assim?
Isso tem a ver com o medo e com o abismo. Os casacos que eu fiz, em 89, tinham o título "Vertigem". Quando uma pessoa se debruça para dentro o abismo é tão profundo que se sente uma vertigem. Era esse o ponto de partida. É uma ideia muito romântica, a ideia da perda da sombra, da perda da materialidade e da perda da existência no mundo. Mas a ausência de um corpo é uma metáfora violenta de tudo aquilo que nos interessa. A nossa vida é feita de encontros e despedidas. Os momentos mais importantes são quando conhecemos alguém ou quando nos despedimos de alguém, quando um bebé nasce ou quando uma pessoa morre. E desse encontro ou despedida ficará sempre uma cicatriz, uma marca da separação e uma marca da morte. E é preciso extrair beleza dessa marca. "
Excerto de uma entrevista a Rui Chafes publicada, no passado domingo, na Pública.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, dezembro 05, 2007