sexta-feira, novembro 23, 2007
"Neste seu romance, a personagem feminina parece lutar com a ideia de Deus.
Isso aconteceu depois do 11 de Setembro. As pessoas começaram a pensar nisso.
Mas os doentes a quem ela dá aulas mostram que podemos pensar de duas maneiras: ou "não há Deus, porque isto aconteceu", ou "tem que haver Deus, porque isto aconteceu".
Acho que as pessoas pensavam nesses termos, depois dos acontecimentos. Porque houve pessoas muito chocadas com o facto de Deus ter permitido que isto acontecesse, e outras que achavam que, curiosamente, isto tornava Deus mais presente, talvez porque precisassem de Deus mais do que nunca.
(...)
Se a personagem feminina de "O Homem em Queda" se interessa pela religião, a personagem masculina vira-se para o jogo, especialmente para o póquer. Há muitos desportos e jogos no livro, mas porquê o póquer aqui, para além de ser uma recordação dos amigos mortos com quem ele jogava?
A maneira como fez a pergunta é interessante, porque precisamente eu só tinha os amigos dele, com quem ele jogava. Dois deles morreram, e o que é que eles faziam juntos? Jogavam póquer todas as semanas. Foi só nisso que pensei a princípio. Era uma maneira de ele pensar nos amigos. Podia ser a bebida, ou falar de mulheres, mas era o póquer. E eu tinha um amigo, há anjos, que se separou da mulher, e a primeira coisa que fez quando arranjou um apartamento novo foi comprar uma mesa de póquer. E também pensei nesse episódio. Eu só contava ter uma referência ao póquer, no início do romance, mas, quando acabei a segunda parte, pensei que o Keith precisava de continuar, e ia fazer o quê? E pensei que ele ia continuar a fugir de um estado de meditação sobre o evento. E ele faz isso jogando póquer.
Não tanto para se lembrar, mas para esquecer.
Sim, para esquecer. E foi por isso que decidi que ele tinha de ir para Las Vegas, e meter-se a sério no jogo. E foi interessante escrever sobre o jogo.
(...)
E quando as pessoas dizem que os seus diálogos não são realistas?
Eu digo que são mais realistas do que a maioria dos diálogos a que se chama realistas. Acho mesmo que as pessoas falam assim. Isso não acontece em todos os romances. Às vezes, faço coisas diferentes com o diálogo - no "Os Nomes" [1982], o diálogo era muito estilizado, mas, na maioria dos livros, incluindo este, eu acho que é assim que as pessoas falam. Falam em frases incompletas, com pontos finais. Não é estilizado. É tão realista que não parece realista.
Mas a ideia de modernismo, essa é claramente importante para si.
O mundo que vejo é o mundo que os romancistas, os pintores e os cineastas modernistas criaram. Para mim, isso é o mundo real. Não tenho consciência de escrever ficção modernista, e certamente não escrevo ficção pós-modernista. Para mim, o mundo dos meus livros é o mundo que existe à minha volta. Não estou consciente de o enquadrar de certa maneira. É o que eu vejo, e ouço e sinto. E isso é tudo o que eu sei."
Excerto da conversa, entrevista, que Pedro Mexia teve com Don DeLillo, no ípsilon de hoje. A editora de "O Homem em Queda" é a Sextante.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, novembro 23, 2007