sexta-feira, novembro 30, 2007
"Deixara de ser uma simples rua, era agora um mundo, um tempo e espaço de cinza a tombar e quase noite. Ele caminhava para norte através do entulho e da lama e havia pessoas que o ultrapassavam a correr, com toalhas encostadas ao rosto ou casacos a cobrir a cabeça. Tapavam a boca com lenços de assoar. Traziam sapatos nas mãos, uma mulher com um sapato em cada mão surgiu a correr e deixou-o para trás. Corriam e estatelavam-se, algumas, confusas e desajeitadas, com destroços a tombarem à sua volta, e havia pessoas a abrigarem-se debaixo dos automóveis.
O rugido permanecia no ar, o ronco distorcido da queda. Agora o mundo era assim. O fumo e a cinza rolavam pelas ruas fora e dobravam as esquinas, irrompiam brutalmente às esquinas, ondas sísmicas de fumo com folhas de papel timbrado a surgirem em lampejos, folhas de formato padronizado com bordos cortantes, a pairarem, arrastadas num sopro, coisas imagináveis na cortina de fumo matinal.
Ele vestia fato e gravata e trazia uma pasta na mão. Tinha vidro no cabelo e no rosto, bolhas marmoreadas de sangue e luz. Deixou para trás um letreiro que dizia Menu Especial Pequeno-almoço e as pessoas passavam por ele a correr, polícias e seguranças a precipitarem-se pela rua fora, a apertarem o punho dos revólveres com a mão para manterem as armas encostadas ao corpo."
Don DeLillo (trad. Paulo Faria), O homem em queda, Sextante Editora, 2007.
A Sextante Editora também não resistiu e vandalizou a capa de "O homem em queda". Ainda julguei que aquela bola vermelha a dizer "O grande romance do 11 de Setembro", mesmo abaixo do nome do autor também a vermelho, fosse um autolocante ainda que feio, mas autocolante, mas não. Faz mesmo parte da capa, como uma borbulha em estado terminal. E depois, também, por que é que a capa tinha de ser assim? Com aquele homem? Pelo facto do autor ter dito que foi ele quem o despertou para...? Por falar nele logo ao terceiro parágrafo? E porque não? Por Mallarmé.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, novembro 30, 2007