quinta-feira, outubro 04, 2007
"Prenderam o cinto verde de viagem atrás do trenó. Os lobos assustaram-se e afastaram-se por um momento. Mas depois de superar o seu medo, um deles chegou, de boca aberta e com a língua fora, até ao trenó. Então Gösta pegou no livro de Madame Staël e atirou-o para a boca do animal.
Assim conseguiram uma pausa para tomar fôlego, enquanto os animais rasgaram a presa. Mas pouco tempo depois sentiram-nos, de novo, a morderem o cinto, enquanto ouviam a sua respiração ofegante. Sabiam que não havia outra casa no caminho antes de Berga. Mas para Gösta seria pior que a morte deixá-los ver que ele tinha falhado a sua missão. Compreendia também que o cavalo estava a ficar exausto, e depois, qual seria o destino deles?
Apareceu a casa de Berga na orla de floresta. Via-se luz nas janelas. Gösta sabia para quem eram as luzes.
Os lobos fugiram, temendo a proximidade de homens, e Gösta deixou para trás Berga. Mas quando chegou ao sítio onde o caminho de novo se perdia na floresta, viu um grupo escuro à sua frente. Eram os lobos que esperavam por eles.
Voltaram para trás, mas no mesmo instante o trenó ficou rodeado de lobos. Apareceram vultos cinzentos, com dentes brancos nas suas grandes bocas e olhos ardentes e brilhantes. Uivavam de fome e sede de sangue. Os dentes reluzentes estavam prontos para morder a tenra carne humana. Os lobos atacaram Don Juan e penduraram-se nos arreios. Anna estava a pensar se os lobos os iam comer inteiros ou se deixariam algo. Membros humanos para que as pessoas no dia seguinte encontrassem, dilacerados, na neve pisada e cheia de sangue.
«Agora trata-se das nossas vidas», disse ela, inclinando-se para agarrar Tankred pelo pescoço.
«Deixa estar, não serve de nada! Não é por causa do cão que os lobos vieram esta noite.»"
Selma Lagerlöf (trad.Inga e Miguel Gullander), A saga de Gösta Berling, Cavalo de Ferro, 2006.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, outubro 04, 2007