sábado, julho 21, 2007
Continua
"(Lá fora, Lexington Avenue estava vazia de tudo, excepto de peões inofensivos. Era por volta das duas horas da mais deliciosa tarde de Abril que pode imaginar-se: o tempo ideal para passear. Assim, caminhámos em direcção à Third Avenue. Alguns papalvos voltaram a cabeça, não porque conhecessem Marilyn como a Marilyn, mas por causa do seu traje fúnebre. Ela ria, no seu risinho especial e disse: «Talvez eu devesse vestir-me sempre assim. Autêntica anónima.»
Quando nos aproximávamos do saloon de P. J. Clarke, eu sugeri que talvez fosse um bom local para nos dessedentarmos; mas ela vetou esta ideia: «Está cheia desses nojentos da publicidade e está sempre lá aquela puta da Dorothy Kilgallen a emborcar copos. Que se passa com esses irlandeses? Pela maneira como bebem são piores que índios.»
Senti-me na obrigação de defender Kilgallen, que era de certo modo uma amiga, e afirmei que ela tinha por vezes muita graça. Ela disse: «Seja como for, ela escreveu umas sacanices a meu respeito. Mas todas essas putas me detestam. A Helda. A Louella. Bem sei que a gente se deve habituar, mas é superior às minhas forças. É que magoa. O que é que eu alguma vez fiz a essas gajas? O único que escreve uma palavra decente a meu respeito é Sidney Skolsky. Mas é homem. Os homens tratam-me bem. Talvez como se eu fosse um ser humano. Ao menos, concedem-me o benefício da dúvida. E o Bob Thomas é um gentleman. E o Jack O`Brien.»
Olhámos para as montras das lojas de antiguidades; uma continha uma bandeja com anéis antigos e Marilyn disse: «Aquele é bonito. A granada com o aljôfar. Quem me dera poder usar anéis. Mas destesto que as pessoas me reparem nas mãos. São demasiado gordas. A Elizabeth Taylor tem as mãos gordas. Mas com aqueles olhos, quem é que lhe vai olhar para as mãos? Eu gosto de dançar nua, em frente de espelhos e de ver os meus bicos dos peitos a saltitar. São perfeitos. Mas quem me dera que as minhas mãos não fossem tão gordas.»
Outra montra expunha um lindo relógio de caixa alta, o que a levou a observar: «Nunca tive uma casa minha. Quer dizer, uma casa mesmo minha, com mobília própria. Mas se alguma vez voltar a casar e se ganhar muito dinheiro, vou alugar um par de camiões e descer a Third Avenue, a comprar toda a espécie de coisas malucas. Vou comprar uma dúzia de relógios de caixa alta e alinhá-los todos numa sala a fazer tiquetaque ao mesmo tempo. Isso seria mesmo um lar, não achas?»)
Marilyn - Ei! Do outro lado da rua!
TC - O quê?
Marilyn - Vês aquela placa com a palma? Deve ser um consultório de bruxa.
TC - Estás com disposição para isso?
Marilyn - Bem, vamos lá ver."
Truman Capote (trad. Ersílio Cardoso), Música para camaleões, Livraria Bertrand, 1984.
posted by Luís Miguel Dias sábado, julho 21, 2007