domingo, junho 03, 2007
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"A noite era jovem e ele também. Mas a noite era doce, e ele amargo. Isso notava-se de longe, pelas suas feições sombrias. Mostrava uma dessas fúrias prolongadas, controladas mas devoradoras, e que às vezes duram horas e horas. E era uma pena, aliás, porque destoava de tudo quanto o rodeava: a única nota discordante em todo o quadro.
Era num crepúsculo de Maio, à hora de todos os encontros. Hora a que metade da população menor de trinta anos penteia os cabelos para trás, deita uma olhadela à carteira e se apresta jovialmente para aquele encontro marcado. Entretanto, a outra metade da população, também menor de trinta, empoa o nariz, enverga uma toilette especial e arranja-se para ir ao mesmo encontro. Para onde quer que olhasse, viam-se as duas metades da população reunir-se. Em cada esquina, em cada bar e restaurante, à porta de farmácias, nos vestíbulos dos hóteis e sob os relógios das joalharias, em cada ponto de referência havia alguém que tinha chegado primeiro. Repetiam-se as velhas frases, tão gastas mas sempre novas.
- Aqui estou. Há muito tempo que esperas?
- Estás linda! Onde vamos?"
William Irish (trad. Wilson Velloso), A mulher fantasma, Livros do Brasil Lda, s.d.
posted by Luís Miguel Dias domingo, junho 03, 2007