quinta-feira, dezembro 14, 2006
A Árvore da Noite (3)
L.M.D., Pina Bausch, 2005.
"A última porta
Shut a final door
De caminho, pagou o café, que afinal se esquecera de tomar. Havia um barbeiro no prédio. Walter entrou para fazer a barba. Não... preferia cortar o cabelo. Ou melhor, tratar das unhas. E sùbitamente, vendo-se ao espelho, onde a cara lhe reflectia tão pálida como a bata do empregado, compreendeu que não sabia ao certo o que desejava. Rosa tinha razão: andava esquisito. Sempre quisera confessar os seus erros, porque procedendo assim, talvez eles deixassem de existir. Voltou para o escritório, sentou-se à secretária, e achou-se esgotado. Se ao menos acreditasse em Deus! No peitoril da janela, do lado de fora, poisou uma pomba. Walter ficou muito tempo a contemplar-lhe as penas, que brilhavam ao sol, e a graça dos seus movimentos. Então, recaindo em si, pegou num pesa-papéis, e atirou à avezita: esta elevou-se calmamente e o pesa-papéis caiu à rua. Ouvindo um grito distante, pensou se teria magoado alguém. Ou, mesmo, se teria matado. Mas não houve nada de anormal. Dentro da sala escutava-se apenas o bater dos dedos das dactilógrafas. À porta gritaram-lhe:
- O patrão manda chamá-lo."
Truman Capote (trad. Cabral do Nascimento), A Árvore da Noite, Edição «Livros do Brasil» Lisboa, s.d., .
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, dezembro 14, 2006