A montanha mágica

domingo, novembro 26, 2006

É do Luís Miguel
esta
Pena Capital
do
mário cesariny




Ama como a estrada começa



Para Cesariny, homossexual assumido, o amor era "um desmesurado desejo de amizade", em que "o outro é um espelho sem o qual não nos vemos, não existimos", e "a única coisa que há para acreditar".
"[É] o único contacto que temos com o sagrado. As igrejas apanharam o sagrado e fizeram dele uma coisa muito triste, quando não cruel. O amor é o que nos resta do sagrado", defendia.

Sobre as sessões para que o convidavam e em que o aplaudiam, o poeta comentava: "Estou num pedestal muito alto, batem palmas e depois deixam-me ir sozinho para casa. Isto é a glória literária à portuguesa".


Tive a sorte e o privilégio de estar presente, juntamente com outras pessoas, com Cesariny duas vezes. Ouvi-o dizer algumas destas frases citadas hoje pelo jornal Público.
Cesariny é um génio é uma pessoa é um homem. John Steinbeck diz, em algumas das suas obras (pelo menos em duas diz), que durante a sua vida encontrou pouquíssimos homens. Embora não o conhecendo, pessoalmente, que saiba o magestoso Steinbeck que Cesariny entra nessa conta.
Cesariny só morrerá, como alguém diz, quando o último homem que o conheceu também morrer. Não morrerás.


"MGM O Mário tem medo da morte?

MC Sou capaz de ter, um bocadinho. Não sei o que é. (ri) Mas gostava de ter daquelas mortes boas... a gente deita-se para dormir e nunca mais acorda, isso é que é bom. Mas tenho medo sobretudo da degradação física, isso sim! Porque eu já sofro um bocadinho, vá lá, isso é que é muito chato, isso já é a morte a trabalhar, a trabalhar.
A morte propriamente não existe. Se morreu, morreu... é o momento! Tens medo da morte tu?

MGM Não penso na morte.

MC Muito ou pouco?

MGM Não penso porque tenho medo.

MC E ao atravessar a rua? Um dia destes és atropelado, tens de pensar. Lá isso, eu tenho sempre muito cuidado, (ri) a atravessar a rua.

MGM E o Mário acredita em alguma existência após a morte? Independentemente de Deus existir?

MC (interrompe) Não vale a pena responder a essa pergunta. Ainda há três dias apareceram aqui à porta uns loirinhos, um era inglês, parece, e outro mais feiote, assim a atirar para a ascendência negra, nãos ei --suponho que é de propósito, um mais bonitão e outro mais macaco que é para apanhar as pessoas todas. Então vinham discutir isso. Chamam-se a Igreja dos Santos dos Últimos Dias... que é uma coisa que ninguém percebe, mas o que é isto? Eu disse, olha não vale a pena falarmos porque o crer-se ou não se crer... nem vocês me podem convencer de coisa nenhuma nem eu a vocês, é uma questão de fé.
Há pessoas inteligentes que são católicas, podem não ser segundo o ritual romano, não é? Mas são católicas. E há estúpidos, ou mais estúpidos, que são ateus.
Em vez de responder directamente à tua pergunta eu posso fazer um desvio e dizer uma coisa talvez com mais graça.
A minha visão anedótica da criação, do génesis católico é assim: Havia lá não sei onde, numa coisa qualquer que já teve vários nomes, vários Deuses, etc..., até que se chegou ao Deus católico. E sendo esse Deus omnipotente, omnisciente, omnipresente e mais tudo o que tu queiras, lembrou-se, de repente, de uma coisa, porque estava muito chateado, muito aborrecido, não acontecia nada, não é? Então criou o homem. Bocadinhos de cocó, de lama: o Homem!
Depois foi outra vez para as Amoreiras para ver o que é que acontecia. Como não acontecia nada porque o homem só dormia, comia, tomava banho... Jeová disse «isto não dá nada, é uma chatice»! E então criou a mulher, e a partir daí é que isto foi uma salganhada sem fim, o homem atrás da mulher, a mulher atrás do homem e Ele -- se existe, que eu não creio, não é? Pelo menos neste [não] -- deve passar a vida à gargalhada, a rir-se do que fez. Eu posso acreditar num Deus desconhecido, aliás já escrevi isso, ou já me referi, a um Deus desconhecido, que por acaso... eu lembrei-me agora disto, é o título do primeiro livro de Steinbeck, que é um livro muito bom, muito bonito.
Eu sou um bicho religioso, acho que sou, e o homem é-o! E talvez eu transfira isso para o terreno da poesia. A poesia não é fazer bonitos, rimar bem, dizer: «Ah tão bonito!» Não digo que seja sempre, mas em mim, é uma invocação, ao contrário da evocação. Na evocação tu rezas ao tal deus desconhecido, que é para ver se [Ele] aparece.
O trágico disto, ou dramático, pode ser que talvez me tenha aparecido, e eu não dei por isso.
Porque os poetas, os criadores em geral, mas sobretudo, os poetas são psicologicamente muito onanistas, em vez de estarem em cima de alguém a darem com o rabo para cima e para baixo, põem-se a escrever, percebes o que eu quero dizer? É uma espécie de substituição.

MGM Mas como eu não acredito em Deus...

MC Mas eu também tenho inveja dos crentes e dos suicidas, dos dos.

MGM O que é que perdura?

MC Enquanto o fogo arde sente-se isso, mas quando o fogo se apagou, se extinguiu, fica-se vazio.

MGM É porque às vezes tenho a sensação... em dadas alturas da minha vida... que é quase como se os deuses estivessem contra mim, como se carregasse uma cruz que não sei o que é...

MC Mas nós não temos sorte nenhuma, porque o Deus que nos inventaram é uma figura caricata, porque se o Diabo morre num acidente de automóvel, Deus morre no dia seguinte desgosto, porque não podem viver um sem o outro. É caricato isto! Não dá!
Por outro lado, esta cachimónia que a gente tem não dá para apanhar tudo o que nos rodeia, não dá. Pronto!
E depois cada um toma a sua crença, a sua interpretação. Deve ser um alívio ir ao confessor do Guterres, dizer: «Ah fiz isto e aquilo, blá, blá, blá». E como tomar um banho, não é?"



Excerto de verso de autografia / mário cesariny, edição de Miguel Gonçalves Mendes publicado pela Assírio & Alvim em 2004.

posted by Luís Miguel Dias domingo, novembro 26, 2006

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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