domingo, setembro 24, 2006
"Mas agora vislumbrava uma cabana de madeira não muito longe. Não se lembrava de a ter visto nunca, mas parecia-se com algumas que conhecera em criança.
E à volta da cabana, via-o agora, estavam alguns animais deitados, como se a guardassem.
Com passos lentos, Tom aproximou-se da cabana. Os animais eram coiotes, os seus olhos brilhavam no escuro, tinham um brilho de fogo, como os do tigre de William Blake, seguiam os seus movimentos com os olhos de fogo...
A cabana não tinha porta, mas apenas uma abertura. Lá dentro estava um pouco mais escuro, e Tom deteve-se por momentos, para habituar a visão à penumbra. Um dos coitotes levantara-se e roçou as suas pernas como um cão ou um gato.
E então viu Moira.
Estava sentada no chão da cabana, rodeada de coiotes. Tinho o vestido vermelho de viagem, a saia em desordem, deixando ver as pernas esbeltas. O cabelo solto estava despenteado, era escuro e selvagem, parecia ligar-se às sombras.
Um dos coiotes estava de pé ao seu lado e deixara cair no chão um pedaço de carne ainda ensanguentado. Como se alimentasse a sua cria. Moira estendeu a mão hesitante e agarrou no bocado de carne.
Tom gritou com todas as suas forças:
- Moira. Não.
Mas a jovem parecia não ter consciência da sua presença alí. Levou o pedaço de carne à boca e mordeu-o como um bichinho esfomeado. O coiote deitou-se encostado às suas pernas, olhando fixamente para Tom.
E então ele deixou de ver, a escuridão era absoluta, durante alguns instantes ainda teve consciência do calor dos coiotes à sua volta e depois só ficou o nada."
Excerto de O Vale dos Malditos in "A Dança dos Fantasmas" de Ana Teresa Pereira, Relógio D`Água, 2001.
posted by Luís Miguel Dias domingo, setembro 24, 2006