quarta-feira, julho 26, 2006
"Estavam próximas as eleições.
A autoriddae, assim que soube da resolução do morgado da Agra, preveniu o Governo da inutilidade da luta. Não obstante, o ministro do Reino redobrou instâncias e promessas, no intuito de vingar a candidatura de um poeta de Lisboa, mancebo de muitas promessas ao futuro, que tinha escrito revistas de espectáculos, e recitava versos dele ao piano, cuja falta em demasia de sílabas a bulha dos sonoros martelos disfarçava. Redarguiu o administrador do concelho ao governador civil que pedia a sua demissão para não sofrer a inevitável e desairosa derrota.
Quis assim mesmo o Governo aliciar no círculo algum proprietário, que contraminasse a influência do candidato legitimista, fazendo-se eleger. Alguns lavradores, menos aferrados à candidatura de Calisto lembraram à autoridade o professor de instrução primária, estropiando frases do discurso dele, proferidos na botica. O administrador riu-se, e mandou-os bugiar, como parvajolas que eram.
Por derradeiro, o governador civil fez saber ao ministério que os povos do Vimioso, Alcanissas e Miranda se haviam levantado com selvagem independência e tinham fugido com a urna para os desfiladeiros das suas serras.
Pelo conseguinte, não pôde ser proposto o poeta que, beliscado na sua vaidade, assanhou-se contra o Governo, escrevendo umas feras objurgatórias, as quais, se tivessem gramática à proporção do fel, o Governo havia de pôr as mãos na cabeça e demitir-se."
Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo, Parceria António Maria Pereira.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, julho 26, 2006