quarta-feira, junho 28, 2006
"Prova cabal de sua tolerância foi ele aceitar em 1840 a presidência municipal de Miranda. Na primeira sessão camarária falou de feitio e jeito que os ouvintes cuidavam estar escutando um alcaide do século XV levantado do seu jazigo da catedral. Queria ele que se restaurassem as leis do foral dado a Miranda pelo monarca fundador. Esse requerimento gelou de espanto os vereadores; destes, os que puderam degelar-se, riram na cara do seu presidente, e emendaram a galhofa dizendo que a humanidade havia já caminhado sete séculos depois que Miranda tivera foral.
- Pois se caminhou, -- replicou o presidente -- não caminhou direita. Os homens são sempre os mesmos e quejandos; as leis devem ser sempre as mesmas.
- Mas... -- retorquiu a oposição ilustrada, -- o regímen municipal expirou em 1211, sr. Presidente! V. Ex.ª não ignora que há hoje umcódigo de leis comuns de todo o território português, e que desde Afonso II se estatuíram leis gerais. V. Ex.ª decerto leu isto...
- Li -- atalhou Calisto de Barbuda -- mas reprovo!
- Pois seria útil e racional que V. Ex.ª aprovasse.
- Útil a quem? -- perguntou o presidente.
- Ao município -- responderam.
- Aprovem os senhores vereadores, e façam obra por essas leis, que eu despeço-me disto. Tenho o governo de minha casa, onde sou rei e governo, segundo os forais da antiga honra portuguesa.
Disse; saiu; e nunca mais voltou à Câmara."
Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo, Parceria António Maria Pereira.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, junho 28, 2006