domingo, abril 09, 2006
"Por simples ignorância e equívoco, muita gente, mesmo neste país relativamente livre, se deixa absorver de tal modo por preocupações artificiais e tarefas superfluamente ásperas, que não pode colher os frutos mais saborosos da vida. A excessiva lida torna-lhe os dedos demasiado trémulos e desajeitados para isso. Na realidade, o trabalhador não dispõe de lazer para uma genuína integridade dia a dia, nem a si mesmo pode permitir a manutenção de relações mais humanas com outros homens, pois o seu trabalho seria depreciado no mercado. Não há condições para que seja outra coisa senão uma máquina. Como pode ele ter em mente a sua ignorância -- atitude indispensável ao crescimento interior -- quando tem de usar os seus conhecimentos com tanta frequência? Às vezes, antes de o julgarmos, deveríamos dar-lhe roupa e comida, além de o chamarmos para beber connosco. As qualidades mais requintadas da nossa natureza, como a pelúcia de certos frutos, só podem ser preservadas pelo manuseio delicado. E contudo, não nos tratamos assim ternamente, nem a nós mesmos, nem aos outros."
Henry David Thoreau (trad. Astrid Cabral; revisão e adaptação Júlio Henriques), Walden ou a Vida nos Bosques, Antígona, 1999.
posted by Luís Miguel Dias domingo, abril 09, 2006