quinta-feira, abril 13, 2006
"- Não comemos nada?
- Claro que comemos, se fores buscar uns galhos secos. Tenho três latas de feijão em conserva na minha mochila. Prepara o fogo. Quando acabares de amontoar os gravetos, dar-te-ei um fósforo. Depois, vamos aquecer o feijão para comermos.
- Gosto de feijão com molho de tomate.
- Bom, mas não temos molho de tomate. Vai buscar a lenha. E não fiques parado por aí. Em breve estará escuro.
Lennie ergueu-se pesadamente e desapareceu no matagal. George deixou-se ficar onde estava, a assobiar em surdina. Ouviu-se um chape-chape no rio, lá para os lados onde Lennie se havia sumido. George parou de assobiar e ficou à escuta. «Pobre animal» -- sussurrou maciamente. E continuou a assobiar.
Ao cabo de um momento, Lennie voltou ruidosamente por entre as moitas. Trazia na mão um pequeno ramo de salgueiro. George ergueu o busto e ficou sentado.
- Bom -- disse bruscamente. - Dá-me esse rato!
Mas Lennie fez uma complicada pantomina de inocência:
- Que rato,George? Não tenho nenhum rato.
George estendeu a mão.
- Vamos, dá-me isso. Tu não me enganas.
Lennie hesitou, retrocedeu um passo, olhou atarantado para o matagal, como se pensasse em fugir em busca de liberdade.
George insistiu com frieza:
- Vais entregar-me esse rato ou tenho de dar-te um soco?
- Entregar o quê, George?
- Tu bem sabes o que é. Quero esse rato.
Lennie meteu a mão no bolso com relutância. Foi em voz um pouco quebrada que disse:
- Não sei por que não posso guardar isto. O rato não é de ninguém. Não foi roubado. Achei-o estendido perto da estrada.
A mão de George continuava imperiosamente estendida. Devagarinho, como um cão que não quer entregar a bola ao dono, Lennie aproximou-se, recuou, tornou a aproximar-se. George fez estalar os dedos como castanholas e, ao som agudo, Lennie pôs o rato na palma da mão do companheiro.
- Eu não ia fazer nada de mal com ele, George. Ia só acariciar...
George pôs-se de pé e atirou o rato tão longe quanto lhe foi possível, para dentro do matagal agora escuro. Caminhou depois até à laguna e lavou as mãos."
John Steinbeck (trad. Erico Veríssimo), Ratos e Homens, Editora Livros do Brasil, 2005.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 13, 2006