quarta-feira, abril 26, 2006
"Ele não sabia. Tinha-lhe parecido, de alguma forma, mais simples do que isso. Havia um urso velho, feroz e implacável, não apenas por mero instinto de sobrevivência, mas com o orgulho feroz da liberdade e da autonomia, suficientemente cioso dessa liberdade e dessa autonomia para, sem medo ou sequer alarme, as ver ameaçadas; de maneira nenhuma --ele, que às vezes parecia pô-las deliberadamente em perigo só para melhor as poder saborear, para lembrar aos ossos velhos e fortes e à carne que os envolvia que tinham de se manter fortes, ágeis e flexíveis para melhor os preservar e defender. Havia um velho, filho de uma escrava e de um rei índio, herdeiro por um dos lados da longa saga de um povo que aprendera a humildade através do sofrimento e o orgulho através da resistência que suplantava o próprio sofrimento e, pelo outro lado, da interminável saga de um povo talvez mais velho na Terra do que o primeiro, mas que só agora existia na Terra salvo na fraternidade solitária do sangue estrangeiro de um negro e no espírito selvagem e invencível de um velho urso."
William Faulkner (trad. Ana Maria Chaves), "O Urso" in Histórias Inéditas, Vol. I, Publicações Dom Quixote, 1998.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 26, 2006