sexta-feira, abril 07, 2006
O Urso (6)
fotograma de Stalker, de Andrei Tarkovski
"O pai voltou com o livro, sentou-se outra vez e abriu-o. - Ouve isto -- disse ele. Leu as cinco estrofes em voz alta, com voz serena e deliberada, na sala onde agora o lume não crepitava, pois já era Primavera. Em seguida ergueu os olhos. O rapaz observava-o. - Está bem -- disse o pai. - Ora ouve. -- E leu de novo, mas desta vez só a segunda estrofe, até ao fim, aos dois últimos versos, fechando o livro e colocando-o em cima da mesa que tinha ao seu lado. - «Ela não pode fenecer e, embora não tenhas recebido a sua bênção, ama-la-ás para sempre e ela continuará sublime» -- disse ele.
- Ele está a falar de uma rapariga -- disse o rapaz.
- Tinha de falar de alguma coisa -- disse o pai. E acrescentou: - Estava a falar da verdade. A verdade não muda. A verdade é só uma. Abrange todas as coisas que tocam o coração... a honra e o orgulho, a piedade e a justiça, a coragem e o amor. Percebes agora?"
William Faulkner (trad. Ana Maria Chaves), "O Urso" in Histórias Inéditas, Vol. I, Publicações Dom Quixote, 1998.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, abril 07, 2006