segunda-feira, abril 17, 2006
"Quando tudo passou, o desconhecido deixou-se cair no assento. Uma densa nuvem de fumo negro, nauseabundo, elevou-se do carro durante um momento e flutuou em direcção à casa.
Mal se extinguira o eco da explosão, quando um bando de gaios azuis, agitados saiu do bosque, grasnando aflitivamente, como se tivesse descoberto uma cobra numa árvore.
- Talvez seja melhor ir perguntar-lhe o que quer -- murmurou Clay. - Parece não ter o juízo todo para ficar alí ao sol.
A onda de fumo negro começava a dissipar-se no ar quente do meio-dia, mas o cheiro enjoativo pairava na varanda e penetrava em casa pelas portas e janelas abertas de par em par.
Clay pôs-se de pé, derrubando o cadeirão.
- Diabos levem o homem que veio a guiar até à minha porta para largar um cheirete destes! -- disse, já completamente desperto. Começou a sentir-se nauseado. - Nunca me danei tanto em toda a minha vida!
Não podia suportar mais. Debruçou-se da varanda e, apertando o nariz com os dedos, soprou com toda a força. Apesar disso, ainda podia sentir o cheiro. Era repugnante!
- Maldito homem que vem fazer-me isto em frente de casa! -- gritou raivosamente na direcção do desconhecido de rosto tisnado.
Clay começou a dar murros na coluna que segurava o telhado. Fez tanto barulho, e abalava tanto a casa com as punhadas, que a mulher atravessou o vestíbulo a correr e apareceu no limiar da porta, atrás dele.
- Donde vem este horrível cheiro, Clay? -- perguntou Dene com lentidão. - Que coisa mal-cheirosa!
Clay apontou o homem que saía do automóvel à sombra da magnólia. Dene murmurou qualquer coisa que o marido não conseguiu perceber e, arregaçando as saias até aos joelhos, fugiu da varanda com olhos de fera assustada."
Erskine Caldwell (trad. Dulce Rebelo), O pregador, Publicações Europa-América, 1972.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, abril 17, 2006