quarta-feira, abril 19, 2006
"Sentiu o caixão estremecer enquanto o tiravam do vagão e o passavam para a carroça. Não fez barulho. Ainda não. O comboio deu um esticão e recomeçou a andar. Sentiu o caixão a ser puxado para a plataforma da estação. Ouviu passos a aproximarem-se cada vez mais, como se uma pequena multidão estivesse a reunir-se à sua volta. Esperem só até eles verem isto, pensou.
«É ele», disse Coleman. «É um dos seus truques».
«É uma maldita ratazana», disse Hooten.
«É ele. Vai buscar a barra de ferro».
Sentiu uma luz esverdeada começar a penetrar o caixão. Empurrou a tampa para cima e gritou em voz fraca: «Juízo Final! Juízo Final! Vocês, seus idiotas, não sabiam que hoje é o dia do Juízo Final?»
«Coleman?», murmurou.
O preto inclinado sobre ele tinha uma boca crispada num esgar de má-disposição e olhos sombrios.
«Não há aqui nenhum Coleman».
Esta deve ser a estação errada, pensou Tanner. Estes parvos tiraram-me do comboio cedo de mais. Quem é este preto? Ainda nem sequer há luz do dia neste sítio."
Fragmento do conto "Juízo Final" de Flannery O`Connor, da edição portuguesa Antologia Indispensável, das Publicações Dom Quixote, 1996. Selecção, tradução e notas de Clara Pinto Correia.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 19, 2006