A montanha mágica

quarta-feira, abril 19, 2006

Caracóis, Sandálias e Traições (12)







Oliveira Martins: "«Nunca se ofende mais os homens, diz Montesquieu a propósito de César, do que quando se lhes atacam os seus usos e cerimónias. Oprimir é muitas vezes uma prova de consideração, ferir os usos é uma prova de desprezo».
Eis aí o sentimento a que, pela ironia, César chegara, vendo que os romanos eram inconvertíveis. Julgara-os inteligentes, ele que julgava poder governar-se o mundo com a inteligência apenas; e a resistência passiva das coisas considerava-a agora filha da estupidez quando apesar de expressa de um modo indigno, era inconscientemente filha da justiça apunhalada na pessoa simbólica de Catão. Porquê? Por quem? Por ninguém, por todos. A atmosfera inteira conspirava, e este frio, esta reprovação proferida pela boca de um Cícero, pela boca de um Cássio, por vaidosos e por intrigantes, gente a que ele sabia o peso, pois mais de uma vez os tinha pago; esta reprovação enchia-o de um desgosto profundo. Bem verdade, não lhe desagradava morrer; quem sabe?

[...]

Ao cabo de vinte anos de intrigas e misérias, de lutas, para alcançar o que agora tinha, via-se detestado por homens cuja estima desprezava; via-se forçado a servir-se de miseráveis cujos excessos lhe desonravam a vitória: via-se obrigado a corar dos crimes que praticara na esperança de um fim glorioso e justo. Do alto da montanha do poder olhava para o mundo e parecia-lhe desprezível. Tinha náuseas do que fizera, vendo que afinal fora iludido. «Vivi assaz, dizia, para a natureza e para a glória; e antes quero morrer de uma vez do que viver com o espectro da morte sempre presente a meus olhos». Sabia que na sombra se tramava contra ele.
Mas por um resto de brio orgulhoso, não queria deixar-se vencer pelos intrigantes; e reconhecendo agora o erro fundamental do seu sistema, vendo que um poder imposto a uma sociedade só pode existir apoiado à força positiva, e que nenhuma glória, nenhum benefício, bastam para reinar, pensava em deixar Roma, que tinha desarmado, e ir para a Ilíria a colher-se ao exército -- para depois voltar, rei de facto pela força das armas. Atribuíam-se-lhe planos romanescos: restaurar Tróia, o berço de Eneias, pai do povo romano, e transferir para aí a capital do seu império; ou pô-la em Alexandria, na terra de Cleópatra. Como quer que fosse, os preparativos da partida estavam feitos, e o Senado fora convocado para os idos de Março.
Para esse dia também Cássio, Trebónio e Bruto aprazaram o assassinato."



Revi, na passada sexta-feira, na rtp memória, o Julius Caesar de Mankiewicz. Continuo a achar que Júlio César de Shakespeare é a bíblia para quem quer aprender sobre política e porventura ser político. Quais cursos ou pós-graduações, mestrados ou doutoramentos. É só tralha (!!!). Servem para currículo. Para aparecer nos rodapés: especialista em ciência política. Ciência política? É assim. É a vida.

Depois: começo, este Caracóis, Sandálias e Traições, por citar Átia, quando ela diz a Octávia: "Está muito bom, mas eles são muito mais bonitos na vida real." Felina. Ora.

Depois entra Pulo, o famoso. Mas ainda não o sabe. E já se ri. Está perto o seu rejuvenescimento. Está perto de suceder a Voreno. Vimos isso nos momentos finais. Todavia, "Tu e magistrado Voreno são símbolos de amor fraterno e redenção", disse o desenhador.

Adiante. "Famoso?" E vai para a rua. Olá! Olá! Olá! E levanta-se, e sai, e ainda não está na hora. Por isso, descose-se. Cai. De volta ao descanso.

Voreno e Níobe tomam posse.
Diz Voreno: Esta terra é boa.
Diz Níobe: Está molhada.
Escura, argilosa, pouco barrenta. Pode semar-se tudo numa terra assim, diz Voreno.
Onde vamos construir a casa, diz Níobe?

A sineta toca mas...

E depois, Voreno e Pulo, encontram-se de novo. Como não? E é Voreno que acorda Pulo.
Este diz-lhe, acerca da fama: "Mulheres. Nada lhes agrada mais do que um homem com um grande nome." O outro fala-lhe da sorte que este tem em conseguir respirar.

Entra Irene com uma lâmina afiada. Olha Irene, ainda faltam quatrocentos e tal anos. E sabes, vocês já estão no Fórum. Já estão. Níobe explica-lhe: "Tola. (...) Uma mulher liberta que matou o seu antigo senhor, que bonito. - E para onde irias? Que seria de ti?" Vês? Ainda faltam quatrocentos e tal anos. Vai-te acomodando. Vai-lhe mudando as ligaduras e mete-lhe a comida na boca.

E lá vai Voreno subir o último degrau.

Mais 100 senadores, enquanto as roldanas antecipam o pedestal sem base. Mais uma afronta? Não, não.

E chegamos ao Senado. César diz que vai desviar o rio e Cícero, com aquele ar, diz-lhe que acha "esplêndido, e útil", César continua a explicação a Cícero que, com aquele ar, acha a construção de mais um templo excelente mas que quer falar na expansão do Senado e César diz-lhe que sim. Sim, Cícero, sim. Já estão no Fórum. Sim. Estás estupefacto, Cícero? Parece que a intenção era essa.
Voreno entra e diz estar consciente e pede perdão e é ("agora ouve isto, Cícero")promovido a Senador e Marco António acha comovente e Voreno fica a saber que nas primeiras semanas tem de andar sempre por perto de César e Cícero que ouve tudo isto e que como amigo... como amigo... e é aqui que Marco António se ri às gargalhadas, de Cícero e dá duas palmadas de felicidades a Voreno que de tudo isto entendeu sempre muito pouco.

Depois, Marco António diz a César para ter cuidado que lhe responde que dos inimigos não tem medo mas dos amigos... A conversa seguinte, entre Marco António e César é deliciosa:
Marco António: Não falas de mim, pois não? Garanto-te que não tenho más intenções.
César: Eu sei. Não é que não sejas capaz de todas as malfeitorias.
Marco António, de sorriso leve nos lábios: Obrigado.
César: Mas, para me traíres, já o terias feito há muito tempo.
Marco António: Não penses que não me senti tentado.

Bonito.

Do casamento por amor, tema da conversa à mesa da família Voreno. Diz Níobe: "Olha para nós agora."

A partir daqui, o tempo corre:
- os presságios de Calpúrnia;
- os sonhos de César;
- O cansaço de César;
- o com que fim, de Calpúrnia;
- Servília, Bruto e os antepassados dos Júnios;
- a chegada ao Senado dos novos senadores;
- a conversa entre Bruto, Casca, Cássio, Cimbro e Cícero, do alto, no Senado;
- Cícero sai;
- a saudação a Bruto;
- a estratégia;
- os presságios de Níobe;
- em como Servília se vê na posse de uma informação que parecia não ter qualquer importância, quando o que ela queria mesmo era saber o nome do mal de que padece César, e que agora se tornou fundamental;
- o encontro entre Servília, Átia e Octávio. Servília precipitou-se;
- Pulo vai para o campo, com Irene;
- a caminho do Senado;
- a queda dos Voreno;
- a morte de César.


Oliveira Martins: "Na noite antecedente dizem os cronistas que Calpúrnia, a mulher de César, viu em sonhos o marido cair nos seus braços e expirar trespassado de feridas. Ao mesmo tempo caía por terra o acrotério que em honra do imperador o Senado lhe mandara levantar no palácio. Calpúrnia acordou de manhã cheia de terror, e a conspiração, quase patente e pública, parecia-lhe certa depois do vaticínio. Desvairada, implorava ao marido que não fosse à sessão do Senado; e César, com a face anuviada, preocupado, indeciso, acedeu por fim, anuindo aos rogos da esposa. Mandou chamar António. Décimo Bruto, o calaico, que se tornara célebre nas campanhas espanholas, veio também. César disse-lhes que fossem ao Senado anunciar o adiamento da sessão; mas Décimo Bruto objectou-lhe que isso pareceria temor e seria ridículo. «É verdade», voltou César, e meteu-se na liteira para partir. António conservou-se mudo, despeitado como estava por César o obrigar a pagar o palácio de Pompeu, que arrematara por um preço vil do leilão dos bens confiscados. Julgava-se afrontado. Saíram da Régia e passada a rotunda da Vesta e o templo de Castor, entraram no Foro: aí um desconhecido acercou-se da liteira e lançou para dentro dela um bilhete. Que dizia? César não o quis saber, porque já o sabia. Iam matá-lo? Sim; que importava?... E foram seguindo ao longo da rua Túscula, volteando a encosta ocidental do Capitólio até à porta Carmental, direito ao Campo de Marte. Durava meia hora o caminho.
Depois que ardera a Cúria Hostília, em casa própria, o Senado reunia-se em vários sítios: a sessão dos idos de Março fora aprazada para um salão anexo aos pórticos do teatro de Pompeu. Aí Bruto, que devia a César o lugar de pretor, julgava no seu tribunal, quando o imperador chegou. Pórcia mandava de casa a cada instante recados ao marido a saber como as coisas iam; estava num desassossego como o de Calpúrnia, certa de que César marchara para o sacrifício... Já ele tardava no Senado e os conspiradores olhavam-se inquietos, receosos. Ninguém ignorava o que se tramava. Cássio passava do esverdeado ao verde, e Bruto atropelava os discursos no tribunal pretoriano.
Logo que César entrou na Cúria, Bruto desceu do tribunal e entrou também na sala semicircular em cujo fundo estava a estátua do fundador, Pompeu, com a face vermelha de um deus, coroado de louros, com o manto purpurino dos triunfos. Rubra quase toda a estátua, parecia alagada em sangue; muitos reconstruíram na mente a cena da praia de Pelusa... Vermelho também entrava César com o seu manto bordado a ouro traçado sobre o ombro, com a sua coroa de louros verdes encobrindo a calva, emoldurando a face fria e pálida como nunca. Sentou-se na sua cadeira de príncipe (presidente) e no anfiteatro da sala novecentos senadores de togas brancas bandadas de púroura, imóveis, silenciosos, esperavam o momento trágico. Trebónio conversava dissimuladamente com António, apoiava-lhe as queixas contra César: «Que miséria! Fazer-me pagar o preço do palácio de Pompeu!» -- conservando-o distante, à porta, e espiando com o olhar inquieto os momentos da acção. Os conspiradores tinham resolvido matar também Lépido e António, mas Bruto opôs-se como homem de príncipios que se propunha ser.
Quando César entrou na sala, os conjurados, reunidos, seguiram-no, fazendo-lhe como que um cerco, e logo que o imperador se sentou, o Senador Címber aproximou-se com intimativa exigindo o perdão de seu irmão que fora exilado. O círculo dos conjurados apertava-se. César mirava em torno de si impassível, e via olhares ameaçadores. Nos seus bancos os senadores, imóveis, trocavam observações. Cícero fazia ditos. Trebónio contava a António casos interessantíssimos, segurando-lhe na prega da toga, e o cônsul simplório era todo ouvidos. Cada vez o círculo se apertava mais e Címber falava, falava... até que num instante, com um gesto oratório, levantou sobre os braços os dois panos da toga. A esse sinal, Casca por detrás de César, ergueu o braço e vibrou-lhe um golpe à nuca -- como se faz no matadouro aos bois. O punhal escorregou porque o braço tremia, e foi cair no ombro, que feriu levemente. Quem pusesse nesse instante a mão sobre o peito dos conspiradores sentiria os seus corações saltarem; quem a pusesse no de César veria que o coração dele batia a compasso. Os assassinos tinham medo, tinham horror do que faziam. Cássio, verde, faiscava lume do olhar. Entretanto os senadores iam fugindo à formiga...
Ao sentir-se ferido, César levantou-se e, voltando-se para Casca, disse-lhe: «Que fazes homem?» ao mesmo tempo que, estendendo os braços em torno, repelia o círculo das faces horrendas de ódio e terror. Institivamente recuaram todos. Houve um momento, um instante de hesitação; mas quando Casca respondeu, com a voz trémula, que vingava seu irmão, todos avançaram de punhais erguidos. Bruto, enfezado, recordando palavras e momentos de homens célebres que estudara nos livros, com uma expressão de medo na face estúpida terminada por um cránio pontiagudo de microcéfalo, adiantava no seu braço vacilante o punhal contra a face de César, serena e como que transfigurada. Vendo-o, o imperador disse num tom de suprema frieza: «Também tu, Bruto...» e tomando rapidamente nos dois braços a toga vermelha, cobriu a cabeça para morrer. Crivaram-no de punhaladas, mas o sangue não podia enodoar o manto rubro; e o cadáver envolvido na púrpura umperial foi rolar aos pés sa estátua de Pompeu. Um de pé, outros de rastos, os dois rivais de Farsália pareciam invertidos na situação.
Consumado o assassinato, os conjurados, voltando-se para a sala, viram-na vazia. Todos os senadores tinham fugido, e com eles António e Lépido, tomados de um medo pânico. Todos, sem faltar um, criaturas feitas por César, o tinham abandonado: todos, sem faltar um só. Dos seus capitães -- Galba, Basilo, Décimo Bruto, Trebónio -- os que não estavam ao lado dos conspiradores estavam escondidos com medo. O próprio Marco António fora a correr ao seu palácio das Querenas vestir-se de escravo para fugir... Eis aí como terminou a empresa de César, vítima do sofisma de que os fins justificam os meios. Comprara, corrompera, destruíra os caracteres, os princípios, as instituições, vangloriando-se de ofender a piedade e a moral; e todos esses homens que reduzira à condição de bestas para lhes fazer a felicidade, abandonaram-no como um rebanho de porcos."



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Six Feet Under notes: sim, Luís, a partir de segunda. Quase um ano depois. Tanto tempo! Não é, Charlotte? Não é, Cláudia? que raio se vai ver às segundas? ?


posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 19, 2006

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