A montanha mágica

quinta-feira, abril 13, 2006

Caracóis, Sandálias e Traições (11)






Oliveira Martins: "Os esplendores extravagantes do triunfo tinham provocado um certo movimento de tédio na minoria até aí mínima dos espíritos irrequietos. Uns protestavam em silêncio com a vaga consciência de que era uma infâmia reduzir cidadãos à condição de escravos; outros ardiam somente em despeito e inveja. O nosso Cícero, literato sempre, com a semi-inteligência dos literatos, com a sua falta absoluta de carácter, cioso de vaidade, mordido pela abjecção a que sabia ter descido, aparava a pena e lançava o seu Catão pérfido contra ele a cujos pés se arrojara, agulando os seus ditos, confessando arderem-lhe as faces com a vergonha de se ver escravo. Quase todos os que César comprara com o seu dinheiro, vingavam-se de si mesmos, da sua infâmia, voltando contra o imperador uma guerra surda e cobarde. Os pasquins multiplicavam-se nas esquinas, as alusões repetiam-se no teatro. Quando César aparecia em público o silêncio era geral: o povo, sempre recto nos seus juízos colectivos, abria afinal os ouvidos aos murmúrios de protestos, e vagamente percebia que se praticava um ataque à justiça por parte do imperador. Muitos pensavam que César seria outro Sila ou outro Mário e que, reformada a república, as coisas voltariam ao seu antigo ser. Não voltavam todavia."


Correr, correr, correr, olhar para trás, correr, correr, a lâmina que o atravessa e o rasga. Limpar. Saquear. Seguir.

Voreno ouve. Decide. Potes. Níobe controla a filha mas mais tarde deitar-se-à enfurecida. Másquio tenta fazer Voreno pôr os pés no chão. Esperas. Esta troca de palavras:

"Másquio: Tu e o Pulo eram como Castor e Pólux.
Voreno: Pulo morreu para mim.
Másquio: É bom ver que estás tão bem."

Vês, Voreno? Mais tarde, mais tarde. Entretanto, César mostra-lhe novos caminhos. Olha o que diz Voreno: "se estiverem insatisfeitos, viram-se para o banditismo e para o crime." "Cadeira, trono, trono, cadeira."
A família do magistrado Voreno prospera. Níobe já recebe. E mais tarde... "Põe-lhes mais roupa em cima."
Voreno e Másquio e a Panónia. 12 mil denários.

Pulo não conseguiu resistir. Tanto que havia para dizer, tanto. "Trabalhos de mortalidade." Pulo promete silêncio, eles comem ratos. E tem de ouvir que ali não, que ali é só para pessoas decentes. Ratos. Mais tarde enguias. Ratos. Rato. Enguias.
Pulo, Aufídio e a velha: cenas de antologia.

Bruto não gosta dos graffitis. Diz: "Isso não me importa, mas tenho mesmo aquele aspecto? Cássio: Está parecido. Bruto: É trágico." Mais tarde... Tu és visto, Bruto, como... "Podes chamar peixe a um gato, mas ele não nadará." "Cadeira, trono, trono, cadeira." Cássio.

Átia em acção: com César, com Marco António, com Voreno, com Níobe. Com Níobe.

Octávio, para César: "E ordenaste a sua morte?
César: Nem sabia que ele existia até deixar de existir. Não imagino porque o mataram.
Voreno: Tratando-se de um homem público, pode haver muitas razões."
Terá ele amigos que o ajudem a defender-se, pergunta Octávio. Mais tarde, mais tarde.

Timão fica a saber que quando fala de Pulo nem aquele que faria absolver Medeia o quer ouvir. "Alguém quer trabalho?" A partir daqui tudo é de antologia: o julgamento, na arena, e com Voreno novamente. Com César e Bruto também. E com Servília e Bruto também.

Oliveira Martins: "Parece que duas conspirações principiaram a tramar-se simultaneamente em dois grupos dos vencidos de Farsália, capitaneados por Casso e Trebónio, que ambos tinham aderido a César vitorioso. Cássio já tinha pensado em assassinar César nas margens do Cidno, enquanto andava pela Ásia Menor; Trebónio estivera a ponto de o assassinar também em Narbona, quando fora da última expedição a Espanha. Ambos estes planos falharam, e, coligados, os dois capitães estavam em Roma procurando realizar o seu intento comum. Foram ter com o sósia de Catão, Favónio, mas este declarou-lhes lealmente que achava a guerra civil inevitável mais funesta do que a pior das monarquias; falaram a Estatílio, o epicurista, que também se recusou. A Cícero não se atreveram a falar, embora o nome do autor do Catão devesse ser o primeiro a ocorrer; e não se atreviam por conhecerem bem como era versátil e pouco seguro. Sabiam-no vaidoso, e estavam certos de o ter a seu lado tão depressa vencessem.
Indecisos, incertos, impotentes, lembraram-se de um nome excelente. Se Bruto quisesse!... Bruto era um homem ainda relativamente moço, fruto mórbido da corrupção do tempo, usurário e prático de um lado, visonário do outro, misantropo que se julgava filósofo. Sobrinho e genro de Catão, cunhado de Cássio e de Lépido, via-se no centro da high-life de Roma, sem bem saber que atitude tomar. Sua mãe Servília fora a mais querida amante de César, e daí se dizia ser Bruto filho do ditador: tal era o carinho que César mostrava sempre à mãe e ao filho. Parece que não era, porém, verdade.

[...]

Influía muito nas suas decisões a mãe, inteiramente votada a César, e que este, em lembrança dos amores antigos, inundara de presentes depois de Farsália. Servília não tinha escrúpulos alguns e francamente se ria do filho, que passava por «fenómeno» e por «prodígio», sempre amarrado aos livros, devorando filósofos, falando em Platão a cada instante, num tom pedante de rapaz velho, meio inválido, atacado amiúde de febres, dorido de achaques. Servília falava-lhe nas conveniências, dizia-lhe que deixasse estar o mundo como ele era e fosse prático. Prática era a velha, que sem rebuço favorecia os amores das filhas, encobrindo-lhes as aventuras aos maridos -- Cássio e Lépido. Isto afligia muito Bruto e acrescentava-lhe a misantropia, acentuando o seu carácter fraco, indeciso, timorato e, como todos os fracos, brusco, violento, teimoso, altivo e rude. Era uma criatura singularmente contraditória: uma inteligência vulgar, uma vontade atormentada.

[...]

O cunhado Cássio, com a inteligência que dá uma ideia fixa, com a sua veia de conspirador, com a sua inveja odienta a César retratada na face esverdeada; Cássio, aristocrata e devasso, homem de partido apaixonado, viu o muito que havia a tirar para a sua empresa do ardor da cunhada e da ingenuidade do marido que, além de tudo o mais tinha para o caso um nome famoso, um nome simbólico -- Bruto! Este nome valia um exército. Sondou-o, sem se comprometer, pois temia o cesarismo da sogra; e como visse bem dispostas as coisas, começou uma campanha dirigida a inflamar as quimeras do espírito do cunhado. Mãos desconhecidas lançavam-lhe em casa bilhetes que diziam «Dormes, Bruto? Ou não serás tu um verdadeiro Bruto?» A identificaçãodo poseudo-herói de agora com o lendário destruidor da monarquia devia ir fazenso-se no espírito dele próprio e no do povo. Uma manhã no Foro apareceu a estátua de Bruto antigo com esta legenda: «Fosses tu vivi!» e a estátua de César com esta outra: «Bruto, o que acabou com os reis, foi o primeiro cônsul; este, que acabou com os cônsules, é o último rei.» No tribunal, onde o neo-bruto julgava como pretor, apareciam diariamente insinuações idênticas. Por fim, uma noite, qundo o fruto parecia maduro, Cássio abriu-se e Bruto aceitou o papel que o seu nome tradicional lhe reservara. O género dos caracteres romanos desta época é eloquente: são cópias, são imitações --um, Catão, é a cópia do antigo; este Bruto, a imitação do da lenda. Vive-se das tradiçõe: apenas César vive de um modo próprio e cria um tipo novo."


posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 13, 2006

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