sexta-feira, março 24, 2006
"Tenho andado muito por Concord, e em toda a parte, lojas, escritórios e campos, os habitantes me parecem andar a fazer penitência de mil maneiras extraordinárias. O que ouvi dizer dos brâmanes sentados entre quatro fogos a encarar o sol, ou suspensos de cabeça para baixo sobre as chamas, ou fitando os céus por cima dos ombros «até que se tornasse impossível retomarem as suas posturas normais, enquanto devido à torção do pescoço só líquidos podiam entrar no estômago»; ou morando ao pé de uma árvore algemados para sempre; ou como lagartas, medindo com os seus corpos a extensão de vastos impérios; ou ainda erguendo-se sobre uma perna no alto de pilares -- mesmo essas formas de penitência intencional dificilmente são mais inacreditáveis e estarrecedoras do que as cenas que diariamente presencio. Os doze trabalhos de Hércules eram ninharias comparados com os que vizinhos meus têm empreendido, porque aqueles eram apenas doze e tiveram fim, ao passo que eu nunca pude ver esses homens matarem ou capturarem monstro algum, nem sequer acabarem qualquer trabalho. Além disso, não têm um amigo como Iolas para queimar com ferro em brasa a raiz da cabeça da Hidra; pelo contrário, mal uma cabeça é esmagada, brotam logo duas."
Henry David Thoreau (trad. Astrid Cabral; revisão e adaptação Júlio Henriques), Walden ou a Vida nos Bosques, Antígona, 1999.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, março 24, 2006