quarta-feira, março 08, 2006
"A mulher mostrara a árvore a Parker como se ele não tivesse olhos e dissera-lhe para ter cuidado para não esbarrar nela quando precisasse de usar a enfardadeira na sua vizinhança. Parker começou pela extremidade do campo e foi avançando em círculos em direcção ao centro. De vez em quando tinha que descer do tractor para desembaraçar o arame dos fardos ou para tirar uma pedra do caminho. A mulher velha dissera-lhe para juntar todas pedras num dos cantos do campo, o que ele fizera enquanto ela estivera a ver. Quando pensava que não havia perigo, limitava-se a passar por cima das pedras. Enquanto ia fazendo os círculos concêntricos no campo a sua mente concentrava-se na escolha do desenho certo para as costas. O Sol, do tamanho de uma bola de golfe, aparecia à sua frente e a seguir atrás de si, mas ele começou a vê-lo dos dois lados, como se tivesse olhos na parte de trás da cabeça. De repente viu a árvore aparecer à sua frente para o destruir, e ouviu a sua própria voz rugir num tom incrivelmente alto: «PASSA-LHE POR CIMA!»
Aterrou sobre as costas enquanto o tractor esbarrava contra a árvore e explodia em chamas. A primeira coisa que Parker viu foram os seus sapatos a serem devorados pelo fogo. Um estava preso debaixo do tractor e o outro jazia a uma pequena distância, ardendo sozinho. Parker não estava dentro deles. Sentia a respiração escaldante da árvore a arder na sua cara. Rastejou para trás, ainda sentado, com os olhos cavernosos, e se soubesse fazer o sinal da cruz tê-lo-ia feito."
Fragmento do conto "As costas de Parker" de Flannery O`Connor, da edição portuguesa Antologia Indispensável, das Publicações Dom Quixote, 1996. Selecção, tradução e notas de Clara Pinto Correia.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, março 08, 2006