A montanha mágica

terça-feira, fevereiro 28, 2006

Caracóis, Sandálias e Traições (5)









O último caracóis, sandálias e traições, cá do sítio, devia ter acabado assim:

Oliveira Martins: "A primeira necessidade era dinheiro, e como o Senado lhe não desse --nem também lhe recusasse-- o tesouro do erário saturnino, foi com soldados e arrombou a machado as portas. Metelo, um dos tribunos, quis-se opor: então César, com um fuzilar de cólera nos olhos, ameaçou-o de morte... «E repara, acrescentou, que me é mais fácil matar-te do que ameaçar-te». Logo Roma percebeu que lhe chegara a vez de um dono."

Devia mas não acabou. Começou o quinto.
Antes, ainda e também, agradecer a Luís Carmelo e à Cláudia a explicação: obrigado. :)
Não conhecia o texto. Agora já conheço. E para além do suor comecei a olhar, também, para "a franja de cabelos na testa".

Roland Barthes, a respeito do Júlio César de Mankiewicz: "Que é que está ligado a essas franjas obstinadas? Muito simplesmente a etiqueta da Romanidade. Vemos pois aqui abertamente em acção a mola capital do espectáculo, que é o seu signo. A mecha frontal submerge-nos em toda a sua evidência, ninguém pode ter dúvidas de encontrar-se em Roma, no passado. E esta certeza é permanente: os actores falam, agem, torturam-se, discutem «problemas» universais, sem nada perderem, graças a esta minúscula bandeira desfraldada sobre a testa, da sua verosimilhança histórica: a sua generalidade pode mesmo enfunar-se longamente com toda a segurança, atravessar o Oceano e os séculos, atingindo a fronha ianque dos figurantes de Hollywood; pouco importa, toda a gente se sente garantida, instalada na tranquila certeza de um universo sem duplicidade, onde os Romanos são romanos pelo mais legível dos signos: o cabelo sobre a testa. Um francês, aos olhos de quem os rostos americanos guardam ainda qualquer coisa de exótico, julga cómica a mistura desta morfologia de gangsters-cherifes, e da minúscula franja romana: trata-se antes de um excelente gag de music-hall. É que para nós, o signo funciona excessivamente, desacreditando-se ao deixar transparecer a sua finalidade. Mas esta mesma franja sobreposta à única fronte naturalmente latina do filme, a de Marlon Brando, impõe-se-nos sem nos provocar o riso, e não é de excluir que o sucesso europeu deste actor seja em parte devido à integração perfeita da capilaridade romana na morfologia geral da personagem. No polo oposto, Júlio César é incrível, com a sua fronha de advogado anglo-saxão já rodada por mil papéis de segundo plano, policiais ou cómicos, ele que tem o crânio bonacheirão penosamente recoberto por uma mecha de cabeleireiro.



Joseph L. Mankiewicz, Julius Caesar, 1953.



Na ordem das significações capilares, eis um segundo signo, o dos imprevistos nocturnos: acordadas durante a noite, Portia e Calpurnia mostram com ostentação os cabelos em desordem; a primeira, mais jovem, encarna a desordem flutuante, o que significa que a ausência de arranjo nela se manifesta, de certo modo, no primeiro grau; a segunda já madura, revela uma fraqueza mais rebuscada: uma trança contorna-lhe o pescoço e reaparece por diante do ombro direito, de forma a impor o signo tradicional da desordem, que é a assimetria. Mas estes signos são simultaneamente excessivos e irrisórios: eles postulam um «natural» que não têm coragem de levar até às últimas consequências: não são «francos»." in Roland Barthes (trad. José Augusto Seabra), Mitologias, Edições 70, s.d., pp. 22 e 24.


Do episódio de ontem só mais logo ou amanhã.

Do episódio cinco, então:

A sombra já chegou ao interior da corte de Pompeu, onde se transpira muito. "... como chegamos a esta posição absurda?" As barbas crescem. A redacção deve ser minuciosa. Catão remata: "Razoável? Esta humilhação abjecta é razoável? Não somos homens! Somos vermes." Responde-lhe Cícero: "Vermes é demais. Os vermes não podem fugir tão depressa como nós." "... somos mais ovelhas do que vermes". E fala em misericórdia porque de outra forma as sua cabeças... Catão responde-lhe, de imediato: "Misericórdia? Júpiter não tem misericórdia de cobardes."
O suor é muito, sim. Vencidos? Diz Pompeu que não se rende. Catão olha-o incrédulo.

A misericórdia segundo César. Posca sabe que ele está a ser mais corajoso do que sábio. Átia. Depois diz: "Dizem que os escravos falam de coragem como os peixes falam de voar." Espirituosos, responde-lhe o escravo.

O arauto faz saber da trégua. Pulo lá anda, cambaleante, é certo.

Átia e a conversa que se cozinha na cozinha.

Níobe, Níobe.

Pulo e Voreno. Voreno e Pulo.

"O pobre bandalho", chama-lhe Marco António. "O aríete bateu no muro. Não há misericórdia." Marco António, César e Posca. César: "Se não sou um tirano, se apenas procuro a legitimidade, porque não aceitaria condições tão favoráveis?" Posca acerta. Calma Marco, calma. "Paciência." "Pompeu não é uma maçã e eu não sou agricultor." Quando tiver de ser é. Tu ficas, António. "Manter a paz?"

Vês Voreno? Não proteges mas defendes. Tentas. Tentaste. Evocatti. "Até à morte."

Servília e César. Em embrião: Isto é um massacre, diz César. Deverei ser misericordiosa? pergunta Servília. César e Servília. Sem perdão. Timão.

Átia não dorme sobre o assunto. Olha quem. Átia: "É a República que está em jogo." Tanta preocupação. Desde quando? pergunta-lhe Octávio. Muitíssimo, é o que ela lhe responde. Octávio já está a ver. As espreitadelas resultam. Mas tem de ouvir a mãe dizer-lhe que "podes ler esses velhos gregos patetas até o sangue te fugir dos olhos, que não ficas mais sábio." Muitíssimo, disse-lhe ela. Muitíssimo. Graffitis. A Átia já lhe brilham os olhos.

O que é que Octávio aprende com Pulo? Matar não é problema, diz-lhe o primeiro, "desde que [as vítimas] não ripostem". Os espadachins. Conselhos. Preparar, acção. Octávio: "Parece-me que a simples suspeita não basta para falar. Uma vez pronunciada, a suspeita de tal depravação é suficientemente real para servir de verdade." "São necessários factos."

Pois Pompeu, pois. "Madeira à deriva." Insulta o escravo, insulta. Cuidado com a toupeira. Cícero e Bruto pasmados. Política Bruto, política. Será? A de Cícero? A maré vai encher, muito, Pompeu. Muito. Grande tempestade se aproxima. Grécia.

Roland Barthes: "Toda a gente transpira porque toda a gente trava uma luta interior; supõe-se que estamos aqui no lugar de uma virtude que se tortura horrivelmente, quer dizer, no lugar da própria tragédia, e é o suor que tem por função dar isso conta..."



posted by Luís Miguel Dias terça-feira, fevereiro 28, 2006

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Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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