sábado, janeiro 14, 2006
"Aos vinte e dois anos Enoch partiu para Nova Iorque, onde se conservou quinze anos. Estudava francês e frequentava uma escola de arte, esperando desenvolver as suas faculdades inatas para o desenho. Intimamente, planeava ir a Paris e ali aperfeiçoar o seu pendor artístico, com bons mestres. Mas isto nunca se realizou.
Na verdade, nada jamais se pôde realizar em Enoch Robinson. Desenhava, sim, tinha no cérebro, bem ocultos, muitos pensamentos delicados e singulares, capazes de se exprimirem numa tela ou num papel; todavia ele continuava a ser uma criança, o que obstava ao seu acolhimento no mundo. Dir-se-ia não ter crescido e naturalmente não entendia os homens nem fazia com que estes o entendessem. A criança que havia dentro dele esbarrava contra as realidades, tais como o dinheiro, o sexo e as opiniões dos outros. Uma vez foi atropelado por um carro e atirado contra um poste. Em consequência deste facto, ficou coxo."
Sherwood Anderson (trad. Jorge de Sena), "Solidão" in Folhas Vermelhas e outros contos americanos, Colecção 2 horas de leitura, Público, 2004.
posted by Luís Miguel Dias sábado, janeiro 14, 2006