segunda-feira, janeiro 16, 2006
"A estrada de Forks Falls fica a três milhas, e é aí que trabalham os presos. A estrada é de alcatrão e as autoridades municipais decidiram tapar os buracos e alargá-la numa curva mais perigosa. O grupo é composto por doze homens, todos vestidos com fatos às riscas brancas e pretas, agrilhoados nos tornozelos. Há um guarda, de olhos vermelhos semicerrados, por causa da luz intensa. Os presos trabalham todo o dia; chegam ao nascer do sol amontoados no carro celular, e partem ao anoitecer. Durante o dia, ouve-se o ruído das picaretas batendo no chão de argila, sente-se o sol forte e o intenso cheiro a suor. Há música todos os dias. Começa, a medo, uma voz soturna, como que fazendo uma pergunta. Passados uns momentos, outra voz, a que depressa se junta o resto do grupo. As vozes são sombrias apesar da luz do sol ser intensa, e a música mistura, estranhamente, tristeza e alegria. O canto avoluma-se de tal maneira que não parece vir do grupo de doze homens, mas brotar da própria terra, ou cair do céu. É uma música que dilata o coração de quem ouve e provoca estremecimentos gelados de medo e êxtase. Depois, lentamente o canto esmorece até restar apenas uma voz isolada, depois um som rouco de respiração, o sol, e o som das picaretas batendo no silêncio da estrada.
E que espécie de grupo é este, capaz de criar música assim? Apenas doze homens mortais, sete pretos e cinco brancos, rapazes da região. Apenas doze mortais juntos numa estrada."
Carson McCullers (trad. José M. Guardado Moreira), A Balada do Café Triste, Relógio D`Água, 2001.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, janeiro 16, 2006