sexta-feira, dezembro 02, 2005
"Isto aconteceu-me quando o grande lutador, Gorgeous George, foi à minha terra. Eu estava actuar em meados dos anos 50, no átrio da National Guard Armory, no Edifício Veterans Memorial, o local que lá na terra existia para albergar todos os grandes espectáculos: feiras de gado e jogos de hóquei, circos e campeonatos de boxe, assembleias de pregadores itinerantes, festivais country-and-western. Vira ali Slim Whithman, Hank Snow, Webb Pierce e muitos outros. Uma vez por ano ou assim, Gorgeous George trazia toda a trupe de artistas à cidade: «Golias», «O Vampiro», «O Aldrabão», «O Estrangulador», «O Triturador de Ossos», «O Terror Divino», lutadores anões, um par de miúdas lutadoras e tantos outros.
[...]
Trazia assistentes e estava rodeado por mulheres que levavam rosas, vestia um majestoso roupão de pele com debruados dourados, e os seus longos caracóis louros esvoaçavam. Roçou pelo palco improvisado e olhou de relance para o lado de onde vinha a música. Não abrandou a passada mas olhou para mim, os olhos a faiscar com o luar. Piscou o olho e pareceu dizer «Estás a dar vida a isso».
Se foi ou não isso o que disse, não fazia diferença. O que interessava é eu ter achado que ele o tinha dito e nunca mais me esqueci."
Bob Dylan (trad. Bárbara Pinto Coelho), Crónicas - volume I, Ulisseia, 2005.
[Uma nota, ou duas: o que dizer daquelas conversas, prefiro assim, com os jornalistas na segunda parte do No Direction Home? Está lá tudo, não está? Aquilo que não se deve fazer, e é daquilo que mais se vê, 40 ou 50 anos depois. São também um compêndio hilariante de boa disposição e estupefacção perante o abismo. E os 136 que também podiam ser 142? E o dos óculos?]
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, dezembro 02, 2005