A montanha mágica

quinta-feira, setembro 01, 2005

The Heart Is a Lonely Hunter (2)




daqui




"- E é por estas e por outras razões que eu tenho tido mais sorte que a maior parte das outras pequenas de cor - dizia a Pórtia quando ela abriu a porta.
- Quais razões? - indagou Mick.
A Pórtia e o Bubber estavam sentados à mesa da cozinha. O vestido de chita verde de criada refrescava-lhe a cor parda da pele. Tinha pingentes verdes nas orelhas e o cabelo bem penteado e repuxado.
- Tu vem sempre pisá a conversa no rabo e óspois quer sabê tudo! - disse ela e levantou-se para ir ao fogão encher-lhe o prato. - O Bubber e eu távamos aqui a falá da casa de meu avô na Old Sardis Road. Tava-le eu a dizê que ele e os meus tio são dono daquilo tudo. Quinze acres e meio. Eles sempre plantam quatro acres de algodão, de anos a anos trocam para ervilha, pramor da terra, e um acre nos montes é só pròs pesseguêro. Têm um macho e uma porca de cria, e há sempre vinte, vinte e cinco poedêra e franga pra fritá. Tem lá uma hortinha e duas nogueiras pecanas, e datas de figo e ameixa e amora! É a pura da verdade. Não há muito lavradô branco que tenha feito da sua terra tanto como o avô...

[...]

- Eu não vejo munto o meu pai, talvez uma vez por semana, mas pensá nele eu penso munto. Não há ninguém de quem eu tenha mais dó. Acho que ele tem lido mais livro do que nenhum branco cá da cidade. Tem lido mais livro e matutado mais... Cheio de livro e de malucação. Perdeu Deus e virou costas à religião. Toda a desgraça dele tá nisso.
Pórtia estava exaltada. Sempre que falava de Deus, de Willie, seu irmão, ou do marido, Highboy, ficava exaltada.
- Ora eu cá não sou desses negros que dá guincho*! Pertenço à igreja presbiteriana, e nós cá não acredita nisso de se rebolá no chão e falá isquisito. Não vamos comungá tod`as semanas, para ódespois fuçá junto no chiqueiro! Na nossa igreja a gente cantamo, mas quem faz o sermão é o pregadô. Pra dizê a verdade, Mick, eu acho que um bocadinho de cantoria e de sermão não te fazia mal nium. Tu devias levá esse minino à Escola Dominical, e já tens idade bastante para te sentá com muito propósito na igreja. Com esses ares presumidos com que tu andas, quero crê que já tens o bico do pé no inferno!

[...]

O Bubber, sentado, olhava uma depois outra. Tinha o guardanapo atado à nuca e ainda segurava na mão a colher vazia:
- O que é que Deus come? - perguntou.
A Mick levantou-se da mesa e ficou de pé entre portas, pronta a sair. Às vezes tinha piada espicaçar Pórtia. Quando lhe dava uma veneta, dizia a mesma coisa cem vezes seguidas, como se não soubesse dizer mais nada.
- Gente como a ti e o meu pai, que nunca vão à igreja, nunca pode ter paz de qualidade nenhuma. Olha para mim: eu tenho crença e tenho paz. E ali o Bubber também tem a sua paz. E da mesma forma o meu Willie e o meu Highboy. E só de olhá para ele, qué-me parecê que cá o nosso Mista Singa também a tem. Senti logo que o vi da primeira vez.


*Refere-se aos ritos de certos negros americanos, como os Holly Rollers. (N. do T.)"



Carson McCullers (Trad. e Prefácio de José Rodrigues Miguéis), Coração Solitário Caçador, Publicações Europa-América, 1987.


posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, setembro 01, 2005

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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