segunda-feira, agosto 01, 2005
photo by delcaldo.com
"Cruzou a sala, atravessou a garganta estreita por onde o regato desaparecia e seguiu o seu curso, a água mergulhando na escuridão à sua frente e descendo de poça em poça em taças de pedra modeladas pela erosão e Ballard ligeiro sobre as rochas, percorrendo uma cornija, mantendo os pés secos, avançando em certos trechos com um pé de cada lado do regato, a luz da sua lanterna descobrindo no leito de pedra clara lagostins brancos que fugiam às arrecuas e rodopiavam cegamente.
Seguiu este curso de água durante talvez um quilómetro e meio, calcorreando todos os seus meandros, espalmando o corpo e avançando como um esgrimista nas passagens estreitas, rastejando de barriga no chão para transpor um túnel, o cheiro da água a seu lado num sulco rico em minérios, deixando para trás os dejectos cor de giz de animais que não sabia quais eram, até que tropeçou por uma chaminé que desembocava num corredor acima do regato e entrou numa gruta alta e em forma de sino. Aqui as paredes com as suas circunvoluções de aspecto macio, recobertas tal como estavam por uma lama húmida cor de sangue, tinham uma aparência quase orgânica, lembrando as entranhas de algum grande animal. Aqui no ventre da montanha, Ballard fez incidir a sua luz sobre as saliências ou catres de pedra onde pessoas mortas jaziam deitadas como santos."
Cormac McCarthy (trad. Paulo Faria), Filho de Deus, Relógio D`Água, 1994, pp. 134-135.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, agosto 01, 2005