A montanha mágica

terça-feira, agosto 30, 2005





"Depois sai. À janela novamente, Hightower vê-o passar e seguir rua acima, em direcção aos arrabaldes da cidade e ao seu passeio de três quilómetros, transportando os seus embrulhos de comida envoltos em papel. Desapareceu de vista andando direito e a bom ritmo; uma passada daquelas que um homem velho que já criou carnes e curto fôlego, um homem velho que já passou demasiado tempo sentado, não poderia ter acompanhado. E Hightower fica ali encostado à janela, no calor de Agosto, esquecido do odor em que vive - esse cheiro das pessoas que desde há muito já não vivem na vida: esse odor a dessecação sumamente balofa e linho a cheirar a mofo, como que um precursor da sepultura - a escutar os pés que parece ouvir ainda por muito tempo, pensando: «Deus o abençoe. Deus o ajude»; reflectindo: «Ser jovem. Ser jovem. Não há nada como isso. Não há nada mais no mundo.» Ele pensa calmamente: «Eu não deveria ter perdido o hábito de rezar.» Depois já não ouve os passos. Agora ouve unicamente os numerosos e intermináveis insectos, encostado à janela, respirando o cheiro quente e ricamente maculado da terra, pensando em como ele tinha amado a escuridão enquanto era jovem, um jovem que andava ou ficava sentado sozinho entre árvores, à noite. Depois o solo, as cascas das árvores, tornaram-se verdadeiros, selvagens, repletos, evocativos, estranhos e desgostosos meios prazeres e meios horrores. Tinha medo disso. Temia; amava tendo medo. Era como se uma porta se tivesse fechado algures. Já não tinha medo da escuridão. Simplesmente a odiava; costumava fugir dela para a proximidade de paredes, para a luz artificial. «Pois é», pensa ele, «eu nunca deveria ter perdido o hábito de rezar.» Afasta-se da janela. Uma das paredes do escritório está forrada de livros. Pára em frente a eles, procurando até encontrar aquele que procura. É de Tennyson. Está deformado por um uso abundante. Tem-no desde o tempo do seminário. Senta-se debaixo do candeeiro e abre-o. Não demora muito. Em breve a linguagem fina e galopante, o definhar desvitalizado repleto de árvores sem seiva e luxúrias desidratadas começa a pairar meloso, veloz e pacífico. É melhor do que rezar, sem se dar ao trabalho de pensar em voz alta. É como estar numa catedral a ouvir cantar un eunuco numa língua que ele nem sequer precisa de entender."


William Faulkner (trad. Jorge Telles de Menezes), Luz em Agosto, Diário de Notícias Bibliotex Editor, 2003.


posted by Luís Miguel Dias terça-feira, agosto 30, 2005

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Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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