terça-feira, agosto 16, 2005
"Da janela do seu gabinete de estudo ele pode ver a rua. Ela não fica muito longe, porque a clareira não é profunda. É uma pequena clareira, com meia dúzia de áceres de crescimento pequeno. A casa, um discreto bangaló castanho com falta de pintura, também é pequena, e quase que fica oculta por arbustos de murtas, lilases e alteias, com excepção da abertura através da qual ele olha para a rua da janela do seu gabinete de estudo. A casa está tão escondida que a luz do candeeiro da esquina da rua só esparsamente a ilumina.
Da janela ele também pode ver a tabuleta, que ele apelida o seu monumento. Ela está implantada num canto do pátio, baixa, virada para a rua. Tem doze centímetros de largura e quarenta e cinco de altura, um rectângulo bem proporcionado que apresenta o seu rosto aos passantes e as suas costas para ele. Mas não necessita de lê-la porque foi ele quem habilidosamente fez o letreiro com martelo e serra, e pintou a inscrição que dele consta, habilidosamente também, mas com tédio, quando compreendeu que teria de começar a arranjar dinheiro para comida, aquecimento e roupas. Quando ele deixou o seminário, tinha um pequeno rendimento herdado do seu pai, o qual, assim que lhe foi atribuída a igreja, ele diligenciou prontamente que viesse a ser rebido por uma instituição para raparigas delinquentes de Memphis. Depois ele perdeu a sua igreja, perdeu a igreja, e a coisa mais amarga com a qual ele alguma vez se confrontou -mais amarga ainda do que a privação e a vergonha- foi a carta que escreveu a essa instituição para dizer que doravante apenas poderia enviar-lhes metade da soma que até então enviara.
Assim ele continuou a enviar-lhes metade de um rendimento que na sua totalidade teria dado para pouco mais do que garantir a sua sobrevivência. «Felizmente que há coisas que eu posso fazer», disse ele na altura. Esse o motivo da tabuleta carpinteirada com bom-gosto por ele próprio e as letras gravadas por ele próprio, com pedaços de vidro partido misturados argutamente na tinta, de modo que à noite, quando o candeeiro da esquina incidia sobre elas, as letras brilhavam com um efeito de Natal:
REV. GAIL HIGHTOWER, D. D.
Lições de Arte
Cartões de Natal e de Aniversário Pintados à Mão
Revelação de Fotografias"
William Faulkner (trad. Jorge Telles de Menezes), Luz em Agosto, Diário de Notícias Bibliotex Editor, 2003.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, agosto 16, 2005