domingo, julho 17, 2005
"Cena II
O Livro
Jeanne de joelhos frente ao poste, iluminada por um reflector.
Entra Frei Dominique com um livro, aproxima-se da fogueira.
Frei Dominique
Jeanne! Jeanne! Jeanne!
Jeanne
Quem me chama? Quem chama por mim?
Quem foi que disse Jeanne?
(As Vozes diminuem pouco a pouco até ao imperceptível.
Reflector sobre Frei Dominique)
Frei Dominique
Não me conheces?
Jeanne
Reconheço o hábito dominicano, a túnica branca e o manto negro.
Frei Dominique
A túnica branca que os meus irmãos de Paris e de Rouen cobriram de tal mancha que nem a soda nem a saboeira conseguirão limpar.
Jeanne
Frei Dominique, a bondade de Deus e o sangue desta criança inocente limpá-la-ão.
Frei Dominique
Jeanne, minha irmã, então reconheceste-me?
Jeanne
Irmão, frei Dominique, somos animais da
mesma lã!
E eu sou uma das ovelhas do rebanho que reconhece a voz do seu pastor.
Frei Dominique
Visto que os meus irmãos e os meus filhos me traíram,
visto que aqueles que deviam ser a poderosa voz da Verdade
Se tornaram, contra a vontade de Deus, teus acusadores e teus
carrascos, Jeanne,
Visto que a palavra, nas suas mãos, se transformou em
caricatura,
Sou eu mesmo, Dominique, eu, Dominique, que do Céu desci
para junto de ti com este livro.
Jeanne
Dominique, frei Dominique, em todo este tempo,
nestes últimos tempos,
Vi muitas penas a escreverem à minha volta.
Frei Dominique
Tudo isso deu um livro.
Jeanne
Aquela voz horrível que me interrogava e todas aquelas penas à
minha volta sem parar!
Todas aquelas penas a arranharem o pergaminho; tudo isso
deu um livro.
Tudo isso deu um livro e eu não sei ler.
Frei Dominique
Para compreenderes o livro que te trago não é preciso
conhecer o A e o B.
Esse monte de palavras que os Limousins reuniram no latinório
de Fouarre, esse processo a que deram a forma na algaraviada
de Coutances,
foi traduzido para o futuro pelos Anjos, no Céu.
Jeanne
Em nome de Deus, lê-mo então, irmão enquanto olho por cima
do teu ombro.
(Frei Dominique senta-se no primeiro degrau da escada)
Frei Dominique (Fazendo o sinal da cruz)
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Assim seja.
(Jeanne faz o sinal da cruz com as mãos amarradas)
Coro
Assim seja!"
Jeanne - Isabelle Huppert
Frei Dominique - Luís Miguel Cintra
Arthur Honegger, Jeanne d`Arc au bûcher (oratória dramática em onze cenas. Libreto de Paul Claudel), Teatro Nacional de São Carlos, Março de 2003.
posted by Luís Miguel Dias domingo, julho 17, 2005