terça-feira, maio 31, 2005
Six Feet Under notes
Sumário: Assim, cara Charlotte, caro Luís e cara Cláudia peço-lhes um favor, se puderem: contem-me o que perdi do episódio de ontem. Sei que posso ir ler o resumo. Mas não é a mesma coisa. E a falta... não sei o que lhes diga. Dou-lhes uma dica: contem-me assim: nem sabe o que perdeu. O melhor episódio de todos. Como foi possível não ter visto. Que azar! Nem sabe o que perdeu. Não é assim que nos costumam dizer? E repetem, repetem. Mas contem-me assim.
O fotograma aí em baixo é de David Lynch. Hoje foi um dia estranho. Permitam-me. Começou logo de uma forma estranha. Saio do banho e tenho de cortar as unhas. Desculpem-me, mas no fim perceberão. Corto-as. As das mãos. A meio da tarde, não sei como, mas só a meio da tarde, reparo que, em trinta e poucos anos, deixara uma unha por cortar. Nem sei em que pensei. Procurei manter a calma. Acho que entrei, por segundos, numa outra esfera. Como foi possível? Quando me apercebi encolhi o dedo, lentamente, e escondi-o no meio dos outros. Olhei em volta. Nada. Regressei à esfera normal. O que quer que isso seja. Adiante.
Quando saí de casa sabia que no regresso teria de parar em qualquer sítio para comprar uma cassete -vá lá duas- de vídeo, virgem, virgens, para gravar o episódio de ontem. Sabia que não o podia ver em directo. Sim, sim. Retardei a compra o mais que pude e parei no último sítio onde a/as podia comprar, àquelas horas. Parei o carro e lá fui. Comprei duas, fui obrigado. O supermercado, melhor, o lidl assim nos obriga. É uma forma de dizer. Duas de 240 minutos por 3 euros e qualquer coisa. Não me lembro, agora. Exactamente. Demoro aí 15 minutos. O lidl está cheio de filas de pessoas com os carrinhos de compras junto às caixas de pagamento. Aguardo. Pago. Saio a correr. Fujo.
Reparo que alguém olha para mim de uma forma assustada. Acho estranho, e lembro-me de pensar: porque será? Esqueço. Engreno -engreno!- as velocidades e... casa.
Meto na cabeça que tenho de voltar a sair aí às 21h e 10 minutos. Organizo, assim, o tempo que me resta. Tenho de descansar, descontrair e jantar. Descarregar as fotografias antigas da máquina, desactivar o flash, meter uma das cassetes no vídeo e programá-lo. É o que faço. Fico de consciência tranquila. Tive tempo para fazer tudo o que planeara.
Saio de casa às 21h e 10 minutos. Chego ao meu destino às 21h e 25m. Acho estranho. Muito estranho. Porquê? Aqui não posso dizer. Ou melhor: onde estavam poucas pessoas deveriam estar muitas pessoas. Também não é assim muitas, muitas, mas mais do que as que já lá estavam. Estranho. Fumo um cigarro. Decido consultar o papel: constato que me adiantei na hora 30 minutos. 30 minutos. E tinha tão poucos no início. E adiantei-me trinta. Lembro-me de ter pensado assim. Olhei para a unha que não cortei. E ainda não tinha tido mais tempo. Lembrei-me: fica para amanhã. Quando sair do banho, outra vez.
O tempo vai avançando. As duas horas seguintes passam a correr. Mágicas. Fumo mais um cigarro. No fim um s tornou-se num a. Hora de regressar a casa. oh e 10m. Chego às 0h e 20m.
Meto o carro dentro do portão. Fecho o portão à chave. Entro em casa e bebo um copo com água. Como umas bolachas. Dirijo-me para a sala. Sento-me no sofá. Ponho a cassete de vídeo a rebobinar. Primo o play. Desgraça. Programei mal o vídeo. Entro noutra esfera. Penso nos 30 minutos que me adiantei. Nem sei o que me apetece fazer. Deixei a gravar no canal 1. E reparo, também, que deixei o serviço de favoritos activo. Ou seja um rectângulo médio, com o nome dos diferentes canais, a ocupar metade do ecrã. Não me lembro de nada. Como foi possível? No. Eu sei, eu sei. Only a human. Desanimo. Can you see the light at the end of the darkness. Olho para a cassete que tive de comprar, olho para a unha, olho para o relógio e olho para o papel, que me fez enganar, pela primeira vez. Guardo-o. Mágico. O fotograma aí em baixo é de David Lynch. Só me apetece meter-me pela terra dentro.
Assim, cara Charlotte, caro Luís e cara Cláudia peço-lhes um favor, se puderem: contem-me tudo o que perdi do episódio de ontem. Sei que posso ir ler o sumário. Mas não é a mesma coisa. E desculpem a falta.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, maio 31, 2005