sexta-feira, maio 20, 2005
Jacques le Fataliste (3)
"A estalajadeira tornou a subir, sempre com a Nicole nos braços, e disse: «Espero que tenhais um bom jantar; o caçador acaba de chegar, o guarda do senhor não tardará...» E, falando assim, puxava de uma cadeira. Ei-la sentada, e a sua história que começa.
«A Estalajadeira - Temos de desconfiar dos criados, os amos não têm piores inimigos.
Jacques - Minha senhora, não sabeis o que dizeis, porque há os bons e há os maus, e provavelmente contaríamos mais bons criados que bons amos.
O Amo - Jacques, não estais a ouvir o que dizeis, e cometeis precisamente a mesma indiscrição que vos chocou.
Jacques - Éque os amos...
O Amo - É que os criados...»
Bem, leitor, por que motivo não levanto eu uma violenta discussão entre estas três personagens? Porque não é a estalajadeira agarrada pelos ombros e atirada para fora do quarto por Jacques? Porque não é Jacques agarrado pelos ombros e expulso pelo seu amo? Porque não vai cada um para seu lado? E porque não faço com que não ouçais nem a história da estalajadeira nem a continuação dos amores de Jacques? Podeis ficar tranquilo, não farei nada disso. Então a estalajadeira continuou:
«Há que concordar que, se é certo que há homens muito maus, também há mulheres muito más.
Jacques - E que não é preciso ir muito longe para as encontrar.
A Estalajadeira - Em que é que vos estais a meter? Eu sou mulher, cabe-me dizer das mulheres tudo o que me apetecer, não preciso da vossa aprovação.
Jacques - A minha aprovação é tão boa como qualquer outra.
A Estalajadeira - Senhor, tendes aí um criado que se faz de esperto e que não é como deve ser. Eu também tenho criados, mas sempre queria ver se seriam tão atrevidos!...
O Amo - Jacques, calai-vos e deixai falar a senhora.»"
Denis Diderot (trad. Pedro Tamen), Jacques o fatalista, Tinta Permanente, 2003.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, maio 20, 2005