A montanha mágica

quarta-feira, abril 06, 2005

Saul Bellow (1915-2005)




Saul Bellow por Richard Avedon.



"Posso oferecer uma amostra de conversa.
- Reconheço que este sítio é belo e calmo -disse Ravelstein.- Mas consegues explicar o que a Natureza faz por ti, um típico judeu citadino? Tu não és um transcendentalista renascido.
- Não. Essa não é a minha linha.
- E para os teus vizinhos aqui no campo tu és uma daquelas bestas que se devia ter afogado no dilúvio.
- Oh, absolutamente. Mas eu não me preocupo em integrar-me ou pertencer à comunidade. É a calma a toda a volta que me atrai...
- Já tivemos esta conversa antes...
- Porque é importante.
- A vida foge-nos. Os teus dias voam mais rápido do que um mergulhão. Ou uma pedra lançada ao ar - disse ele, como um pai indulgente - e acelerando na queda à velocidade de trinta e dois pés por segundo elevados ao quadrado. Uma metáfora para a horrível velocidade a que se apróxima de nós a morte. Tu gostarias que o teu tempo fosse tão lento como quando eras criança. Cada dia uma vida inteira.
- Sim, e para conseguir isso precisamos de algumas reservas de paz na nossa alma.


[...]


No New Hampshire, ele pressionar-me-ia uma vez e outra a repetir velhas anedotas, velhos gags, e cenas de vaudeville.
- Imita lá o Jimmy Savvo com aquela canção - ou então:- Conta lá de novo como é a história do marido furioso? O homem com o coração despedaçado que diz ao amigo: "A minha mulher engana-me".
- Ah, sim. E o amigo diz: "Faz amor com ela todos os dias. Uma vez por dia no mínimo. E ao fim de um ano ela estará morta".
- "Não!" O tipo está espantado. "É essa a solução?"
- "Uma vez por dia. Com tanta frequência, ela não resistirá..."
- Então depois traziam um cartaz ao palco. Deves estar recordado de que era assim que se fazia. Um arrumador com um boné redondo e uma fila dupla de botões trazia um tripé com um cartaz. Em letras grandes, estava escrito no cartaz: "Cinquenta e uma semanas depois". E então o marido entra no palco empurrado pela mulher numa cadeira de rodas. Tem um ar muito fraco. Enrolado em mantas como um inválido. E a mulher está radiante. Está vestida com roupa de ténis e tem uma raquete debaixo do braço. Ela anda à volta dele, apaparica-o, beija-o. Os olhos dele estão fechados. Parece meio-morto. Ela diz: "Descansa, querido, volto já depois da minha partida, não demoro mesmo nada nada". Quando ela sai, o frágil marido leva as mãos ao rosto e, por detrás da mão, num belíssimo sussurro de vaudeville, confidencia ao público: "Ela não o sabe, mas tem apenas mais uma semana de vida."



Saul Bellow (trad. Rui Zink), Ravelstein, Teorema, 2001.


"Al principio, las notas que escribía no tenían ilación. Eran fragmentos, sílabas sueltas, exclamaciones, proverbios y citas deformados o, en el idioma yiddish de su madre, muerta hacía mucho tiempo, Trepwerter, réplicas que llegaban demasiado tarde, cuando ya iba uno escaleras abajo.
Por ejemplo, escribía Muerte... morir... vivir otra vez... morir de nuevo... vivir.
Nadie; no hay muerte.
Y, con tu alma de rodillas? Más te valdría ser útil. Friega el suelo.
Y luego, Responde a un loco según su locura, a no ser que tenga la sabiduría de su propio orgullo.
No respondas a un loco según su locura, para que no seas como él.
Elige a uno.
También anotó: Leo en Walter Winchell que J.S.Bach se puso guantes negros para componer una misa de réquiem.
Herzog apenas sabía qué pensar de estas notas. Se dejaba llevar por la excitación que las inspiraba y a veces sospechaba que pudieran ser un síntoma de desintegración. Y esto no le assustaba. Tendido en el sofá del pisito que había alquilado en la calle Diecisiete, se imaginaba a veces ser una industria que fabricaba historia personal, y se veía a sí mismo desde el nacimiento hasta la muerte. En un trozo de papel, reconoció: No puedo justificarme.
Repasando toda su vida, llegó a la conclusión de que lo había hecho todo mal, todo. Su vida, como suele decirse, estaba arruinada. Pero como en realidad esta vida no había sido gran cosa, no tenía mucho de qué lamentarse. Tendido en el maloliente sofá, pensaba en los siglos pasados, el XIX, el XVIII, y de este último sacó una frase que le gustaba:
La pena, Señor, es una especie de pereza.


Saul Bellow (trad. Rafael Vásquez Zamora), Herzog, DeBols!llo, 2004.


"Arrebatado por «cega paixão ou atracção»-segundo a definição dada pelo dicionário de inglês para infatuated, sendo a primeira «levado a comportar-se tolamente»-, Benn falava da sua noiva como se ela fosse uma «bem-amada» num poema de Egar Allan Poe: «O teu cabelo de jacinto, o teu rosto clássico.» Quando lho ouvi pela primeira vez, fiquei completamente desorientado. A minha resposta foi um silêncio mortal. Estivera ausente, a visitar os meus pais no estrangeiro, e ele aproveitara-se da minha ausência para casar com essa senhora, sem consulta prévia. Benn sabia muitíssimo bem que deveria ter discutido o assunto comigo. Existia entre nós esse tipo de relação. Eu nunca imaginaria que ele pudesse ser tão irrepreensível. Ao dar-me a notícia, que foi como uma bofetada na face, tentou imediatamente desarmar-me, declarando o seu amor em termos bombásticos - «cabelo de jacinto» e «rosto clássico»! Meu Deus, que esperava ele que eu dissesse?! Não tolero que me venham com esse género de conversa, e fiquei danado da vida. Nunca coíbo as pessoas de exprimirem as suas emoções. À vontade! Ele sabia que um dos meus princípios era condescender com os sentimentos delas e ser tolerante para com a inaptidão ou a vulgaridade em que mesmo os mais desenvoltos podem cair quando um dos sentimentos mais fortes lhes tomba em cima. Até um general de quatro estrelas, um homem altamente respeitado pelos seus colegas da NATO, é capaz de cantar um «Bubububu» de Bing Crosby num momento de amolecimento ou fraqueza resultante de amor. O melhor termo para este desencontro entre elevada competência e inépcia pessoal é «barbarismo»! O meu tio ofereceu-me a Helena de Poe: «A tua beleza é para mim / Como aquelas barcas nicenas de outrora...» Tentando apaziguar-me. Eu teria preferido o Bing Crosby. Nada me poderia ter deixado mais deprimido e furioso. Por acaso conhecia a noiva. Era Mathilda Layamon. Suponho que teríamos de admitir o rosto clássico, e, como estudioso de plantas, ele penderia naturalmente para o cabelo de jacinto. Neste ponto recordei-me do insensível cientista de Wordsworth, capaz de estudar plantas sobre a sepultura da mãe, e pensei: É isto que acontece quando estes tipos param de estudar plantas na sepultura e os corações regressam ao normal!"



Saul Bellow (trad. Fernanda Pinto Rodrigues), Morrem Mais de Mágoa, Livros do Brasil, 1990.


Saul Bellow reviews no nytimes de hoje.


posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, abril 06, 2005

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