quinta-feira, abril 21, 2005
Para acabar de vez com a cultura (3)
"II. A dialéctica escatológica como meio de enfrentar os seixos
Podemos dizer que o universo consiste numa substância e a essa substância chamaremos «átomos» ou então chamaremos «mónadas». Demócrito chamou-lhe átomos. Leibnitz chamou-lhe mónadas. Felizmente que os dois homens nunca se encontraram, ou teria havido uma violenta discussão. Estas «partículas» foram postas em movimento por alguma causa ou princípio fundamental, ou talvez qualquer coisa tenha caído algures. A questão é que é tarde para fazer seja o que for a esse respeito, excepto, possivelmente, comer muito peixe cru. Isto, claro, não explica porque é que a alma é imortal. Nem nos diz nada acerca de uma ou outra vida depois da morte, ou acerca da sensação que o meu tio Sender tinha de estar a ser seguido por albaneses. A relação causal entre o princípio primeiro (isto é, Deus, ou uma grande ventania) e qualquer conceito teleológico de ser (Ser) é, segundo Pascal, «tão hilariante que não chega sequer a ter piada (Piada)». Schopenhauer chamou-lhe «vontade», mas o médico diagnosticou isso como sendo febre dos fenos. Nos seus últimos anos começou a ficar exasperado com esse facto, ou, mais precisamente, com a crescente suspeita de que não era Mozart."
in Woody Allen (trad. Jorge Leitão Ramos e Salvato Teles de Meneses), Prosa Completa, Gradiva, 2004.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, abril 21, 2005