quarta-feira, março 16, 2005
Para acabar de vez com a cultura (2)
"1. Crítica do terror puro
Na formulação de qualquer filosofia, a primeira consideração deve sempre ser: o que é que podemos conhecer? Isto é, o que é que podemos ter a certeza de conhecermos, ou a certeza de conhecermos que conhecíamos, se é que é de todo conhecível. Ou simplesmente nos esquecemos e estamos demasiado envergonhados para dizer seja o que for? Descartes aludiu ao problema quando escreveu: «A minha mente nunca pode conhecer o meu corpo, apesar de se ter tornado muito amiga das minhas pernas.» Por «conhecível», aliás, eu não quero significar aquilo que pode ser entendido pela mente, mas antes aquilo de que se pode dizer estar Conhecido ou possuir uma Conhecência ou Conhecibilidade, ou, pelo menos, alguma coisa de que se possa falar aos amigos.
Podemos, actualmente «conhecer» o universo? Meu Deus, já é tão difícil a gente orientar-se em Chinatown. A questão, no entanto, é: há alguma coisa lá? E porquê?E porque é que fazem tanto barulho? Finalmente, não pode haver dúvidas de que a única característica da «realidade» é que tem necessidade de essência. Isto não quer dizer que não tenha essência, mas meramente que tem necessidade dela. (A realidade de que falo aqui é a mesma que Hobbes descreveu, apenas um pouco mais pequena.) No entanto, a máxima cartesiana «Penso, logo existo» podia ser melhor expressa por «Eh!, aí vem a Edna com um saxofone!» Assim, portanto, para conhecer uma substância ou uma ideia temos de duvidar dela e, deste modo, ao duvidar, chegar à apreensão das qualidades que possui no seu estado finito, as quais estão «na própria coisa» ou são «da própria coisa», ou de alguma coisa ou de coisa nenhuma. Se isto é claro, podemos deixar por agora a epistemologia."
in Woody Allen (trad. Jorge Leitão Ramos e Salvato Teles de Meneses), Prosa Completa, Gradiva, 2004.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, março 16, 2005