terça-feira, março 15, 2005
Jacques le Fataliste (1)
"Como se haviam encontrado? Por acaso, como toda a gente. Como se chamavam? Que vos interessa isso? Donde vinham? Do lugar mais próximo. Para onde iam? Sabe alguém para onde vai? Que diziam? O amo não dizia nada e Jacques dizia que o seu capitão dizia que tudo o que nos acontece de bem e de mal cá em baixo está escrito lá em cima.
«O Amo - Aí está uma grande frase!
Jacques - O meu capitão acrescentava que cada bala que partia de uma espingarda tinha o seu destino.
O Amo - E tinha razão...»
Após uma curta pausa, Jacques exclamou: «Diabos levem o taberneiro mais a sua taberna!
O Amo - Porquê mandar o próximo para o diabo? Isso não é cristão.
Jacques - É que, quando me embebedava com a zurrapa dele, esquecia-me de levar os cavalos a beber. O meu pai dava por isso e zangava-se. Eu abanava a cabeça mas ele pega num pau e dá-me uma esfrega nos ombros bastante dura. Ia a passar um regimento a caminho do acampamento em frente de Fontenoy, e eu, por despeito, alisto-me. Chegamos; trava-se uma batalha...
O Amo - E recebes a bala que te ia destinada.
Jacques - Adivinhastes; um tiro no joelho. E sabe Deus as boas e más aventuras provocadas por este tiro. Estão tão exactamente agarradas umas às outras como os elos da corrente do cavalo. Por exemplo, se não fora aquele tiro, acho que nunca na minha vida ficaria apaixonado, nem coxo.
O Amo - Estiveste então apaixonado?
Jacques - Se estive!...
O Amo - E isso por causa de um tiro?
Jacques - Por causa de um tiro.
O Amo - Nunca me disseste uma palavra sobre isso.
Jacques - Acho que não.
O Amo - E então porquê?
Jacques - Porque não podia ter sido dito nem mais cedo nem mais tarde.
O Amo - E chegou agora o momento de saber desses amores.
Jacques - Quem sabe?
O Amo - Seja como for, começa lá...»"
Denis Diderot (trad. Pedro Tamen), Jacques o fatalista, Tinta Permanente, 2003.
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, março 15, 2005