A montanha mágica

quinta-feira, março 24, 2005

fragmentos...





Jorge Molder



"I

1. Todas as manhãs faço contigo este exercício e reparo como acabas sempre por hesitar na dosagem de um dos fármacos. Se não é o Vastarnel é o Zolpidem... ou o Stagid... ou o... Agora vacilas no Lanoxin... e conheces bem os efeitos...

[...]

2. Parado? Do mundo animal, sim, talvez o homem seja a criatura sedentária... mas (e sorri, imitando)... nenhum homem estátua, erguido no seu tripé, com o pobre prato de moedas diante, pensa sequer concorrer com a imobilidade de que é capaz, não sei, uma rosa... um arbusto... Os jardins estão cheios de uma imobilidade que nos está vedada... inacessível.

1. E se eu te disser que os jardins são berberes em deslocação... vagabundagem... movimento!

[...]

1. Pior?! Foi, talvez, um incidente... coisas assim não cessam de acontecer. E, nem sei de que te espantas... Dentro das histórias que contamos todos morremos... todos.


[...]


II

2. «Estás então a representar Sófocles... Do teatro de Sófocles só me interessam, verdadeiramente, os silêncios». «Os silêncios...» - repeti eu. «Sim, o silêncio de Eurídice, Dejanira e de Jocasta. Nada como ele dá a ver... nada como o silêncio... Mas, sabes, prefiro Eurípedes... Quando chegou a Atenas a notícia da morte de Eurípedes, Sófocles apareceu vestido de luto, apresentando os seus actores e o coro sem as coroas do costume... O teatro oficial rendia-se à memória de um maldito... É preciso voltar a Eurípedes... Ele perdoou a Helena».

[...]

IV

1. Nem sei bem como tudo começa. É como aquelas coisas que estão debaixo dos nossos olhos e não reparamos, até que um dia... Depois é impossível não ver.

2. Como assim?

1. Em Electra, por exemplo... Estava com Electra nas mãos... e, imprevistamente, a minha atenção fixou-se no desenho das duas figuras anónimas. Já as devia ter lido e relido. Mas agora, pela primeira vez, atordoava-me a sua presença... São, podes argumentar, meros suportes de contraste no relato, elementos secundários... mas, garanto-te, nada acessórios, nada...

[...]

VI

2. (recobrando) É estranho. O que eu sinto agora é que estamos sempre a um passo, quer nos dirijamos para um lado ou para outro... quer se trate da vida ou da morte. E a isso não se pode fugir... Por mais branda que sopre a brisa, por mais branda... a noite penteia as glicínias com seu pente aguçado.

1. (pausa) Sabes o povo berbere... os nómadas...

2. Sim...

1. Estamos demasiado ligados à ideia de viagem... sair pelo mundo e tornar à mesma casa, na mesma rua, no mesmo bairro de Ítaca, de Nova Iorque... O nomadismo não é uma viagem assim...

2. Continue.

1. O nomadismo é uma viagem sem fim...

2. E...

[...]

1. Os que viajam, voltam para trás... regressam à sua rua, aos seus tectos amados, aos olhos de Penélope... Os nómadas...

2. E os nómadas?

1. Os berberes dizem que os nómadas desposam o vazio... falam das núpcias com o vazio...

2. Não compreendo.

1. Mas queres compreender?

2. Juro que quero... Mas...

1. Mas... o quê?"



José Tolentino Mendonça, Perdoar Helena, Assírio & Alvim, 2005.


Estreia hoje. "Teatro Taborda de 24 de Março a 24 de Abril de 2005. Uma produção lilástico / Artistas Unidos."

posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, março 24, 2005

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São horas, Senhor. O Verão alongou-se muito.
Pousa sobre os relógios de sol as tuas sombras
E larga os ventos por sobre as campinas.


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