segunda-feira, novembro 08, 2004
The Wind (fim)
O Vento (1928)
Miguel de Castro Henriques (cont.)
"Perante a extraordinária Lillian Gish não se pode deixar de ter pena que os mudos tenham desaparecido. Aqui também se vê a presença da escola sueca, um olhar educado pelo teatro, em que a leveza e a densidade dos gestos, as expressões do rosto, a força das emoções patente nos olhos se revelam em toda a sua amplitude. Estamos diante da quintessência da pantomina, como se o teatro japonês de No e a arte do mimo se tivessem unido num só. Não é certamente por acaso que Lillian Gish viria a ser considerada sobretudo graces a este filme uma das cem melhores actrizes de cinema de sempre.
[...]
Não sabemos ao certo como acabava o filme original, antes da censura imposta pela MGM. Talvez aqui ela abrisse a porta e se deixasse devorar pelo vento e pelo deserto. Talvez ela aqui descobrisse que ela própria tinha uma sensibilidade índia e desapareceria do mundo dos brancos. De certeza esta heroína tratada por um artista sueco seria muito mais complexa do que o estereotipo. Mas este acabou por triunfar. Lige diz-lhe "se matarmos um homem com justiça o vento cobre-o todo?.
E ela afirma não tenho mais medo do vento e acaba unida ao marido, integrada na sociedade, ambos radiosos olhando o futuro. Mas sente-se a ironia de Sjöström, o fim kitsch, é uma caricatura wagneriana: se fosse a cores seria com céu azul piscina, flores monumentais a neón, ambos de perfil como os heróis nazis virados para os amanhãs. Sjöström vingou-se subtilmente da censura imposta e deu-nos esta obra-prima que no fim nos pisca o olho. O fim continuou a ser de Sjöström, não da MGM. Por isso podemos imaginar uma Letty índia, que volta ao deserto unida ao vento, e que tecerá à sua roda toda uma teia de lendas. Numa outra dimensão o voo da aranha. "
in O Olhar de Ulisses - O som e a Fúria (2000), Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, novembro 08, 2004