terça-feira, novembro 16, 2004
As Prisões da Miséria (3)
[fotograma do filme THX-1138 de George Lucas]
1.2. A mundialização da tolerância zero
De Nova Iorque, denominada como "a montra mundial da tolerância zero", esta doutrina difundiu-se rapidamente. Permite aos seus importadores:
- determinação do Estado no combate às desordens;
- aliviam o Estado das suas responsabilidades na génese social e económica promovendo - a responsabilização individual.
Exemplos de países importadores: Escócia, México, Argentina, França, Alemanha, Itália, Nova Zelândia, Áustria, Canadá, Austrália, África do Sul etc.Em França quem abre caminho a Lionel Jospin, em 1998, segundo Wacquant, é a americanóloga Sophie Body-Gendrot. Jospin defende uma "tolerância zero à francesa". Na Alemanha Schroder centra o seu discurso, à volta da Null Toleranz, acusando, essencialmente, os imigrantes como os principais agentes do crime. Chega mesmo a dizer: "quem viole o nosso direito de hospitalidade só há uma solução: daqui para fora e depressa". Estávamos então na campanha eleitoral de 1997.
Diz o autor que "é paradoxal este assédio policial que se alastra mundialmente pois os seus resultados estão a ser postos em causa".
Nos E.U.A. os "clientes" privilegiados da polícia são a comunidade afro-americana.
Uma das consequências maiores da "tolerância zero" foi "escavar um abismo de desconfiança, e para os mais jovens de desafio, entre a comunidade afro-americana e as forças da ordem".
Wacquant salienta que "esta doutrina apresenta duas fisionomias opostas:
- uma para brancos
- outra para negros.
Outra das consequências desta doutrina, que tem como fim aquilo a que chamaram "qualidade de vida", foi o "congestionamento inaudito dos tribunais" isto porque aumentaram muito as detenções por delitos menores. Temos assim mais presos e "comprova-se que um número considerável e sempre crescente de detenções e encarceramentos se faz sem motivo judicial".
Wacquant concluiu assim: "para os membros das classes populares repelidos para as margens do mercado de trabalho e abandonados pelo Estado protector que são o alvo principal da política de "tolerância zero", o desequilíbrio grosseiro entre o activismo policial e o excesso de meios que lhe é consagrado, por um lado, e o congestionamento dos tribunais com a penúria agravada de meios que os paralisa, por outro, tem todas as características de uma negação organizada de justiça".
1.3. Londres, entreposto e centro de aclimatação
Do lado britânico, "O Adam Smith Institute, o Centre for Policy Studies e o Institute of Economic Affairs, trabalham na difusão e propagação das concepções neoliberais em matéria económica e social, mas também das teses punitivas elaboradas na América e introduzidas durante o governo de John Major antes de serem retomadas e desenvolvidas por Tony Blair".
Rupert Murdoch aproveita para organizar uma série de encontros, amplamente divulgados em jornais como o Times, Independent, Guardian etc., e de publicações em torno do pensamento de Charles Murray que, recorde-se, "exortava os britânicos a apressarem-se a levar a cabo uma severa compressão do seu Estado-providência, a fim de impedirem a emergência em Inglaterra de uma pretensa ´underclass` de pobres alienados, dissolutos e perigosos".
Assim, "nota-se uma aproximação e consenso entre a direita americana mais reaccionária e a vanguarda auto proclamada da ´nova esquerda` europeia em torno da ideia segundo a qual os maus pobres devem ser tomados em mão (de ferro) pelo Estado e os seus comportamentos corrigidos pela reprovação pública e o agravamento das imposições administrativas e das sanções penais". Refere Wacquant.
Lawrence Mead, politólogo neoconservador na New York University, diz mesmo que "o Estado deve abster-se de ajudar materialmente os pobres, compete-lhe todavia apoiá-los moralmente, impondo-lhes a obrigação do trabalho".Segundo Wacquant "trata-se do tema canonizado por Tony Blair das ´obrigações da cidadania`justificando a transformação do welfare em workfare".
Lawrence Mead na sua obra Para Além dos Direitos: As obrigações da Cidadania de 1986, defende, como tese central que "o Estado-providência americano dos anos 1970-80 falhou na sua ambição de reabsorver a pobreza não pelo facto dos seus programas de protecção serem demasiado generosos (tese Murray) mas pelo facto de serem permissivos e de não imporem estritas obrigações em termos de comportamento aos seus destinatários".
Seis anos mais tarde na sua obra The New Politics of Poverty: the Nonworking poor in América, Mead "argumenta que a questão social que domina as sociedades avançadas - América e Europa - já não é a da ´igualdade económica`, mas a da ´dependência dos pobres` incapazes de trabalhar por incompetência social e imperícia moral".
Todas estas teses foram, segundo Wacquant, muito bem recebidas pelo New Labour no Reino Unido.
Reflictamos no valor desta expressão: "A melhor resposta perante a pobreza não é nem subsidiar as pessoas nem abandoná-las: é dirigir as suas vidas".
Ora o Estado paternalista defendido por Mead propõe também "o dever de ser um Estado punitivo e em 1997 o IEA convida Charles Murray para defender a posição que a prisão funciona, chegando mesmo a dizer que "a prisão é, à falta da pena de morte, o meio de longe mais eficaz de impedir os criminosos confirmados e notórios de matarem, violarem, assaltarem e roubarem".
Concluindo com palavras de Tony Blair: "é importante dizer que deixaremos de tolerar as infracções menores. O princípio de base aqui é dizer que, sim, é justo sermos intolerantes para com os sem abrigo das ruas".
Nas palavras de Wacquant uma "autentica colonização mental dos decisores políticos ingleses".
posted by Luís Miguel Dias terça-feira, novembro 16, 2004