quinta-feira, outubro 28, 2004
The Wind (9)
Daniel Blaufuks, A Drive in the Country; Man Ray, Le Cadeau.
O Vento (1928)
Miguel de Castro Henriques (cont.)
"Pouco depois uma das grandes cenas do filme, de uma crueza que lembra o famoso encontro ducassiano de um guarda chuva e de uma máquina de costura em cima de uma mesa operatória, é a do encontro de um ferro de engomar com uma carcaça de boi pendurada e sangrenta em cima de um ferro de um sobrado que se sabe estar rodeado de vento por todos os lados. Com a frieza de alguém que deliberadamente se prepara para mostrar o seu poder, enquanto a doce Letty passa roupa a ferro, compondo uma inesperada engomadeira aristocrática, Cora, munida de um facalhão de talho, extrai um órgão inomeável a pingar sangue da carcaça. Depois afia o facalhão. A janela para onde Letty olha à procura de um ponto de fuga tornou-se cósmica, emoldura o vento que surge sempre de rompante com uma força para sempre desconhecida.
A seguir os miúdos aparecem a correr para junto de Letty a mostrar-lhe coisas que fizeram. Cora de longe observa, depois ela corre para um dos miúdos e ajoelha-se para a beijar, mas este repele a mãe que tem as mãos todas sujas de sangue. E assim ficamos, com uma intensidade e simplicidade de meios tão elisabetina como própria da Escola Sueca, perante o ciúme agravado da mãe humilhada."
in O Olhar de Ulisses - O som e a Fúria (2000), Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura.
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, outubro 28, 2004