A montanha mágica

quinta-feira, outubro 21, 2004

The Wind (8)




Albrecht Durer's - The Four Horsemen of the Apocalypse.



O Vento (1928)

Miguel de Castro Henriques (cont.)


O Vento como personagem

(Os Índios chamam-lhe a Terra dos ventos: nunca pára de soprar).


Sjöström, não tem os pontos de vista de Stifter que via no invisível e lento crescimento das ervas a força da natureza, ele procura a natureza nas suas manifestações maiores - na força destruidora e também criadora do vento - e nisto está perto da leveza dos universos nómadas em que tudo se exalta, pronto a uma fúria, imediata e tétrica, sem atenuantes. Herdeiro de Ibsen, sabe aliar a densidade psicológica ao mutável e ao excessivo da natureza - e é o primeiro cineasta a filmar o invisível, a filmar o vento e a introduzi-lo como personagem na história que nos conta.
O Vento, afinal o omnipresente habitante da terra dos ventos nunca desaparecerá de cena totalmente, cada imagem de um modo ou doutro evoca-o. Está ali pronto a ser o instrumento de Nemesis. É impossivel iludi-lo, aplacá-lo, no entanto no fim saberemos que ele reconhece os que matam com justiça, e que os ajuda. Mas o que importa agora referir é que este filme de silêncio consegue sobremaneira, e esse é o poderda arte, é fazer com que o ouçamos e que acabemos por ficar aterrados com a sua devastadora imprevisibilidade.
Os filmes de silêncio (prefiro dizer assim a dizer os mudos, que lembra patologia) evitam o erro platónico de julgar que as palavras podem imitar as coisas denotadas. Este filme de certo modo foi feito não só para conferir ao vento um poder de sal alquímico, transmutador de coisas e situações, mas para dar a ouvi-lo, e assim a articulá-lo como "linguagem da transcendência" de que fala Cioran. Esta leva-nos a uma consciência superior unida à consciência cósmica.
O Vento sopra enquanto o comboio segue à desfilada, não se aquieta quando o comboio pára numa estação que é um espaço deserto onde dois cow-boys sem nada de romântico, Lige e Sourdough, aguardam Letty numa carroça para levá-la à fazenda do seu primo, e continua a soprar forte e imprevisível enquanto decorre a viagem na carroça. A cada momento de uma forma ou outra o Vento interage com os persanagens, faz-lhes sentir a sua presença que nunca cede a nenhum compromisso.

[...]


Enquanto seguem na carroça Lige diz que quando sopra o vento norte os cavalos descem a montanha como se o diabo viesse atrás deles. Ele representa de facto a fala de um sedentário: o seu mundo interior fractura-se quando a ordem desmorona, e os animais, incontroláveis, se espalham por todas as direcções desordenadamente. A desordem é o mesmo que a entrada em acção das forças pânicas. O vento faz parte do mundo nómada, é um fautor de desordem e por isso é por Lige identificado ao diabo, que nega a estrutura de ordem e regra do mundo sedentário. A boca honesta deste cowboy quase simplório acrescenta ainda mais outros atributos o vento, que pode ser implacável e mortífero, dispersando os membros pela pradaria.
Em vez de esbatidas nostalgias românticas, Sjöström regessa aos primeiros ímpetos do viçoso simbolismo. O seu vigor visionário e simbolista de sueco personifica o Vento como um cavalo branco indomável, que dalgum modo conota o quarto cavalo do Apocalipse de S.João, que irmana os céus dos destituídos Índios com os dos cristãos. É Lige, o cow-boy, um sedentário relativo, que com o simplismo dos campónios e dos pobres de espírito nos fala do Vento Índio.


in O Olhar de Ulisses - O som e a Fúria (2000), Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura.


posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, outubro 21, 2004

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