segunda-feira, outubro 18, 2004
The Wind (7)
HE DOG, Oglala Sioux.
O Vento (1928)
Miguel de Castro Henriques (cont.)
O Cavalo Branco
No primeiro plano deste filme de silêncio aparece um comboio, o "cavalo de aço" que corre com outro: o vento. Os Índios deste filme (ausentes fisicamente, mas sempre presentes por meio de toda a carga das referências) dizem que o vento norte é o fantasma de um cavalo que vive nas nuvens, e que tem uma misteriosa harmonia com o curso insondável da vida.
Da perspectiva dos brancos, no deserto de Mojave (ao sul da Califórnia e que faz parte do deserto de Sonora) o vento aterroriza, enlouquece, fere, mata e nunca pára. É uma força tremenda, hostil, mas não é mais do que isso. Nem a visão do mundo nem a moralidade dos brancos coincidem com a dos índios. Este filme subtilmente, de um modo simbólico, dá-nos conta do embate entre essas duas linguagens com poucas pontes de contacto, a do nómada e a do sedentário. Os desaparcidos são os Índios. O homem branco com o seu avanço inexorável expulsou-os. Mas os seus mitos e lendas ficaram. Os vencidos do vento acabam por ser os brancos.
Ao primeiro contacto com o vento de Mojave por parte da doce e frágil Letty (Lillian Gish) que vem de comboio da Virginia para o Arizona esta descreve-o como horrível. O sedutor, o traficante de gado, o maçiço Wirt Rúddy, que se debruça sobre Letty de uma forma envolvente e possessiva tem uma visão sinistra e sexista do vento, diz-lhe depois de pela janela aberta ter entrado uma ventania assustadora, que este vento "enlouquece as pessoas principalmente as mulheres". Mas Letty responde-lhe "não consegue assustar-me".
Logo à partida, dentro deste comboio, "o cavalo de aço" que corre com destino fixo, o vento do deserto sopra ou corre onde quer, estão lançados os arcanos maiores deste jogo de morte com o vento: Letty a inocência, Wirt o sedutor que num gesto quase maníaco limpa o pó da roupa, como se quisesse isolar de todo o mundo ambiente que é pó e vento, o comboio que os leva a alta velocidade e que mostra uma sociedade em progresso, mas já escalonada, territorializada, com as suas hierarquias estabelecidas, com a sua roupa que os precede e assinala o Vento.
in O Olhar de Ulisses - O som e a Fúria (2000), Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura.
posted by Luís Miguel Dias segunda-feira, outubro 18, 2004