quarta-feira, setembro 22, 2004
Yellow Dog
"Xan Meo vai olhando para as mulheres, ou, mais particularmente, para as raparigas, as raparigas novas. Uma, típica, traz solas-tijolo de vinte centímetros e calças boca-de-sino; a dobra do estômago revela uma tira de cuecas brancas e um umbigo traumatizado por bijouterie; traz as chaves do carro numa bochecha e as de casa na outra, um puxador no nariz e uma âncora no queixo; e tem cera dos ouvidos espalhada pelo cabelo, como se viesse por um canal interno. Mas à parte isso... o quê? O objectivo secreto da moda, na rua, a fantochada, moda na sua forma anarco-boémia, é espicaçar a libido dos mais velhos. Bem, funciona, pensa Meo. Pensa também nas boazonas de há vinte e cinco anos, as meias de vidro, os cintos de ligas, os decotes, os perfumes. As raparigas de agora estão a largar tudo isso. (...)
«Deixa-me ajudar-te a sair dessa roupa quente horrorosa», disse ele. Uma deixa que usava sempre. Mas a frase pareceu expressiva: o camisolão tipo cão molhado, os collants de lã, as botas de borracha. Estava sentado na poltrona quando ela, completada a tarefa, se endireitou à sua frente. O corpo dela com os habituais círculos e semicírculos, as suas simetrias divinas; mas incluía uma coisa que ele nunca tinha visto antes. Viu-se cara a cara com um corte à escovinha púbico. E então: «Que faz isso aí?», perguntou. E ela respondeu: «Ajuda-me a ter orgasmos»... Bem, a ele não ajudava a ter orgasmos. Havia uma coisa dura onde tudo devia ser mole: sentiu que se desbastava contra palha de aço. Mais um lindo e revelador vergão (a valer por uma etiqueta com o nome e o número de telefone dela) para levar para casa, para a mulher que, de qualquer maneira e com boas razões, era já psicopatologicamente ciumenta (como ele era). A rapariga da continuidade, portanto, não tinha sido uma rapariga de continuidade. Descontinuidade, radical descontinuidade foi o que ela significou. É preciso ser mais claro? Não quero mais macacos a saltar em cima da cama."
Martin Amis (trad. Telma Costa) O Cão Amarelo, Teorema, 2004.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, setembro 22, 2004