quinta-feira, setembro 30, 2004
Pastoral Americana (3)
"Ou, talvez, ele fosse apenas um homem feliz. Também existem pessoas felizes. Por que não existiriam? Todos os tiros dispersos das minhas especulações sobre os motivos do Sueco eram, apenas, a minha impaciência profissional, a minha tentativa de atribuir ao Sueco Levov algo parecido com o significado tendencioso que Tolstoi havia atribuído a Ivan Illitch, tão diminuído pelo autor da história, pouco caritativa, em que ele mostra numa exposição impiedosa, em termos clínicos, o que é ser-se normal. Ivan Illitch é o funcionário bem colocado do supremo tribunal que leva «uma vida de decoro aprovada pela sociedade» e que, no seu leito de morte, nas profundezas da sua imensa agonia e terror, pensa: «Talvez eu não tenha vivido como devia.» A vida de Ivan Illitch, resume Tolstoi, logo no início, na sua opinião sobre o juiz presidente com a sua magnífica casa de São Petersburgo e o seu belo salário de três mil rublos por ano e os seus amigos todos com uma bela posição social, tinha sido muito simples e muito normal e, por isso mesmo, muito terrível. Talvez sim. Talvez na Rússia de 1886. Mas em Old Rimrock, New Jersey, em 1995, quando os Ivan Illitchs vêm em bandos almoçar ao clube, depois da partida de golfe matinal, e começam a grasnar: «As coisas não podem ficar melhor do que isto», podem estar bem mais perto da verdade do que Leon Tolstoi alguma vez esteve."
Philip Roth, Pastoral Americana, Publicações Dom Quixote, 1997
[o fotograma é do filme Kafka de Steven Soderbergh]
posted by Luís Miguel Dias quinta-feira, setembro 30, 2004