domingo, setembro 05, 2004
Mao II (1)
Merce Cunningham
"«Ouvi falar de um homem e de uma mulher», disse Brita, «que estavam a percorrer a pé a Muralha da China, avançando um na direcção do outro, tendo partido de direcções opostas. Sempre que penso neles, vejo-os de cima, com a muralha a serpentear através da paisagem e duas figuras minúsculas avançando uma para a outra, passo a passo, vindas de províncias afastadas. Esta história parece-me que traduz uma espécie de reverência pela Terra, uma tentativa de compreender esta nova maneira de lhe pertencermos. E é estranha a facilidade com que imagino essa perspectiva aérea.»
«Andarilhos com botas felpudas», disse Karen.
«Não, artistas. E a Grande Muralha da China é, supostamente, a única estrutura feita pelo homem que se consegue distinguir do espaço, daí que nós a vejamos como fazendo parte do planeta. Estes dois, homem e mulher, caminham por ali fora. São artistas. Não sei qual a nacionalidade deles. Mas é uma obra de arte. Não é o mesmo que Nixon e Mao a apertarem as mãos. Não se trata de nacionalidades, nem de política.» (...)
«Avançamos demasiado no espaço para estarmos a insistir nas nossas diferenças. Como esses dois de que falaste, na Grande Muralha, um homem e uma mulher a caminharem um para o outro através da China. O que está em questão nessa história não é vermos o planeta com novos olhos, mas sim as pessoas. Vemo-las a partir do espaço, onde o sexo e as feições carecem de importância, onde os nomes carecem de importância. Aprendemos a olhar para nós próprios como se nos víssemos do espaço, a partir de câmaras montadas em satélites, a todo o momento, de forma invariável. Como se nos víssemos a partir da Lua. Somos todos Moonies, ou devíamos aprender a sê-lo.»"
Don DeLillo (trad. José Miguel Silva), Mao II, Relógio D`Água, 2004.
posted by Luís Miguel Dias domingo, setembro 05, 2004