sexta-feira, agosto 20, 2004
Moby Dick (3) - Acab -
Robert Wilson, Memory/Loss.
"Sou alguma bala de canhão, Stubb - perguntou Acab -, para me quereres embuchar desse modo? Mas vai à tua vida; já esqueci tudo. Desce ao teu túmulo nocturno, onde os outros como tu dormem no meio de mortalhas para se habituarem àquela que os há-de envolver para sempre. Desce, cão, recolhe ao canil!
Sobressaltado pela última e inesperada expressão de desprezo do capitão, Stubb ficou sem fala por um momento antes de protestar irritadamente.
- Não estou habituado a que me falem assim, sir; não me agradam nada tais modos, sir.
- Basta! - sibilou Acab por entre os dentes cerrados; e começou a afastar-se bruscamente, como para evitar qualquer tentação ditada pela cólera.
- Não, sir, ainda não - insistiu Stubb mais afoito -, não consinto que me chamem cão impunemente.
- Então, chamo-te dez vezes burro, muar e asno, e desaparece antes que limpe o mundo da tua presença.
E, dizendo isto, Acab avançou sobre Stubb com uma expressão tão aterradora que o oficial recuou involuntariamente.
- Nunca fui tratado assim sem ripostar com os punhos - murmurou Stubb ao descer a escotilha a caminho do camarote. - É muito estranho. Espera, Stubb, na realidade não sei de deva voltar atrás e agredi-lo, ou (que vem a ser isto?) se deva ajoelhar e rezar por ele. Sim, este pensamento ocorreu-me; mas também seria a primeira vez que eu rezava. Estranho, muito estranho, e ele também é estranho. Sim, por mais voltas que dês, hás-de concordar, Stubb, que o velhote é o tipo mais estranho com quem já viajaste. Com que fulgor olhou para mim! Os seus olhos pareciam pólvora! Terá enlouquecido?"
Herman Melville (trad. Joaquim L. Duarte Peixoto), Moby Dick.
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, agosto 20, 2004