quarta-feira, julho 07, 2004
"Franny continuava a observar a pequena mancha de sol com um interesse especial, como se estivesse a pensar deitar-se nela." (1)
CARTIER-BRESSON, Henri, Seville, Spain, 1932.
"- Que livro é esse, afinal? Ou será que se trata de um maldito segredo ou coisa do género? - perguntou.
- O livrinho que tenho na mala? - disse Franny.
Observou-o enquanto cortava um par de coxas de rã. Depois tirou um cigarro do maço que estava em cima da mesa e acendeu-o.
- Oh, não sei - disse. - Uma coisa intitulada Caminho de um Peregrino. - Ficou um momento a olhar para Lane enquanto ele comia. - Trouxe-o da biblioteca. O homem que dá aquela treta de Religião que estou a fazer neste semestre mencionou-o. - Deu uma passa no cigarro. - Há semanas que o tenho. Esqueço-me sempre de o devolver.
- Quem é o autor?
- Não sei - disse Franny em tom despreocupado. - Um camponês russo, ao que parece. - Continuou a observar como Lane comia as coxas de rã. - Nunca diz o nome. Nunca sabemos como se chama ao longo de toda a história. Só diz que é um camponês e que tem trinta e três anos e um braço inutilizado. E que a mulher morreu. Passa-se todo no século XIX.
Lane tinha deslocado a sua atenção das coxas de rã para a salada.
- Vale alguma coisa? - disse. - De que trata?
- Não sei. É estranho. Acho que antes de mais é um livro religioso. Em certo sentido, suponho que se poderia dizer que é terrivelmente fanático, mas noutro sentido não é. O que quero dizer é que começa com este camponês, o peregrino, que deseja descobrir o significado daquela frase bíblica que diz que devemos rezar incessantemente. Sabes, sem parar. É da Épístola aos Tessalonicenses ou coisa do género. De modo que desata a percorrer toda a Rússia a pé, procurando alguém que lhe diga como se reza incessantemente. E o que se deve dizer quando se consegue."
J. D. Salinger, "Franny e Zooey", Relógio D`Água, 2002.
posted by Luís Miguel Dias quarta-feira, julho 07, 2004