sexta-feira, julho 16, 2004
Eram quase seis horas da manhã quando nos aproximámos do molhe, mas a aurora permanecia indecisa, suspensa na bruma cinzenta.
- Vejo marinheiros a correr acolá, à nossa frente - disse eu para Queequeg. - Não podem ser sombras; aposto que o Pequod larga ao nascer do Sol. Anda depressa! (2)
Bill Viola
"- Bem-amados companheiros do mar, talinguem o último versículo do Capítulo primeiro do Livro de Jonas: «E Deus preparara um grande peixe para engolir Jonas».
»Companheiros, este livro, que contém somente quatro capítulos, é um dos fios mais pequenos que se entrelaçam para tecer o poderoso cabo das Escrituras. Contudo, como são profundos os abismos da alma que Jonas sonda! Que lição fecunda nos dá esse profeta! Como é nobre esse cântico que se eleva de dentro do próprio ventre da baleia! Lembra as vagas pela sua grandiosidade e impetuosidade! Sentimos as vagas rolarem por sobre as nossas cabeças e com ele sondamos o fundo das águas; sentimo-nos envolvidos por algas marinhas e por todo o lodo do mar! Mas que lição encerra o Livro de Jonas? Companheiros, trata-se de uma lição bifurcada; uma lição para todos nós, pecadores, e uma lição para mim, como piloto do Deus vivo. Como pecadores, é uma lição para todos nós, por se tratar de uma história do pecado, da insensibilidade, dos temores subitamente despertos, da punição pronta, do arrependimento, da oração e, finalmente, da libertação e do júbilo de Jonas. Como sucede com todos os pecadores, o pecado do filho de Amati foi o de desobedecer deliberadamente ao mandamento de Deus. Não interessa agora falar desse mandamento, que Jonas achou espinhoso, nem do modo como lhe foi transmitido. De resto, todos os mandamentos de Deus são árduos de cumprir, não se esqueçam disso, e daí surgirem mais frequentemente sob a forma de um imperativo de que uma tentativa de persuasão. E, para obedecermos a Deus, temos de desobedecer a nós próprios; e é nesta desobediência que reside a dificuldade de cumprir a vontade do Senhor.
»Apesar de haver já desobedecido, Jonas escarnece ainda de Deus, tentando fugir-lhe. Pensa que um barco construído pelos homens o poderá conduzir a países onde Deus não reine, mas sim capitães deste mundo. Percorre furtivamente as docas de Jope, procurando um barco com destino a Társis. Talvez haja aqui um sentido oculto, pois, segundo todas as crónicas, Társis corresponderia à actual Cádis. É esta a opinião dos sábios. E onde fica a cidade de Cádis, companheiros? Cádis fica em Espanha; era o ponto mais distante, por mar, de Jope que Jonas poderia alcançar nesses tempos antigos em qe o Atlântico era um mar praticamente ignoto. Na verdade, Jope, a actual Jafa, fica na costa síria, no extremo oriental do Mditerrâneo; e Társis, ou Cádis, fica a mais de duas milhas a ocidente de Jope, à entrada de Gibraltar. Não vedes como Jonas pretendia colocar a imensidade do mundo entre ele e o Senhor? Pobre homem! Como é abjecto e digno de desprezo! Com a aba do chapéu puxada para os olhos culpados, procura ocultar-se de Deus, rodando as embarcações como um vil ladrão desejoso de atravessar os mares. A sua expressão revela tal perturbação e culpa que, se nesse tempo existissem polícias, teria sido preso como suspeito mal pisasse as tábuas de um convés. É óbvio que se trata de um fugitivo!"
Herman Melville, "Moby Dick".
posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, julho 16, 2004