A montanha mágica

sexta-feira, maio 14, 2004

Festival de Sundance, 1992.




"Nós éramos...
O nosso filme era o mais conhecido no festival. Logo após uma primeira exibição de loucos...
Foi a pior ou a melhor exibição que se pode ter. Foi a primeira vez que exibi um filme meu a um público completamente aleatório.
Fomos a Sundance.
Filmámos o filme em scope.
Chegámos lá e o Alberto Garcia disse-nos: "Julgávamos que tínhamos uma lente de scope, mas não temos."
Então?
Agora já tenho mais experiência e não teriam exibido o filme. Era a primeira coisa que teria dito.
Mas eu não tinha experiência ou não sabia que podia dizer isso. Então, vimos o filme. Vimos o meu trabalho em scope com uma lente que não era de scope no projector.
O primeiro público que pagou bilhete viu-o assim.
Este lado [direito] estava desfocado, aquele lado não aparecia na tela... Foi um pesadelo. Mas a sala estava a abarrotar.
Na última secção, no armazém...
A coisa complica-se, eles recriminam-se, matam o Kirk Baltz.
De repente, acenderam as luzes.
"Mas que porra é esta?"
Então, apagaram as luzes, no meio dessa sequência importante. Depois eles sacam das armas, têm todos as armas apontadas e, nesse momento, falhou a electricidade.

UM MOMENTO, ESTAMOS A TER DIFICULDADES TÉCNICAS

One moment please...
We are having
Technical difficulties


O ecrã ficou todo negro, a sala às escuras...

One moment please...
We are having
Technical difficulties


A responsável pela montagem estava quase a chorar.

One moment please...
We are having
Technical difficulties


Disse-lhe para ela não se preocupar. Aquilo estava a correr tão mal, que eu entrei naquela onda masoquista. Foi giro e estranho.

One moment please...
We are having
Technical difficulties


Foi a pior altura, ou melhor, do filme em que aquilo podia ter acontecido. Porque o público desatou aos gritos.

One moment please...
We are having
Technical difficulties


Restabeleceram a electricidade, ligaram os geradores. Recomeçaram o filme.
Fomos a outra exibição do filme. Ao todo, foram quatro exibições.
Na exibição seguinte dessa semana não houve incidentes.
Depois houve uma exibição especial em Salt Lake City. Têm um festival anexo em Salt Lake City.
Decidi levar a minha mãe até lá em vez de a levar aqui. A minha mãe e alguns amigos meus foram ver o filme.
Eles tinham uma lente de scope, mas não valia nada, era uma bela porcaria. Nos grandes planos, tudo bem, mas nos planos mais abrangentes, e existem alguns neste filme, ficava lindo. Já a meio do filme...
Quem sempre foi ao cinema viu isto acontecer raras vezes, mas reconhece logo o que vê. A pessoa está a ver o filme, a película passa pelo projector, começa a tremer e, de repente, aquilo encrava numa imagem. Passados um, dois segundos... aquela porcaria arde toda!
Nem acreditei. Sabe que mais?
Aposto que 85% dos realizadores, em toda a história do cinema nunca tiveram a oportunidade de ver um filme seu arder no ecrã!
Na terceira exibição do meu filme, acontece aquela merda de efeito? da ponta de cigarro.
"Foda-se!" Na principal exibição no Sundance, na "Egyptian", que é a maior sala de cinema do festival. Aliás é um salão que transformaram em sala de cinema. Era a exibição para o pessoal da indústria. Estava Faye Dunaway. Numa das sessões, ela fez-me uma pergunta. Todo o pessoal de Hollywood já tinha chegado. Estavam todos presentes.
Tinha tido uma exibição péssima, outra mais ou menos, outra péssima e achei que era à vez. Mas acabei por encarar aquilo com humor, como agora. Contei todas as minhas experiências em, Sundance na pré-apresentação do filme.
A minha intenção era deixar o projeccionista borrado de medo! "Não deixe que nada aconteça desta vez!"
E foi fantástico. Depois esqueci as outras exibições."


Quentin Tarantino

posted by Luís Miguel Dias sexta-feira, maio 14, 2004

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